Aborto sem hipocrisia

Texto da Equipe de Coordenação das Blogueiras Feministas.

“Era muito arriscado para ele operar no hospital: em 1944, o aborto ainda era um crime, capaz de destruir uma carreira. Mas como eu só estava grávida de quatro ou cinco semanas, a intervenção não duraria mais do que uns vinte minutos (…)”.

Benoîte Groult, no seu livro de memórias, “Minha Fuga”.

França. 1944.

Brasil. 2014.

Banner da Campanha '#Precisamos Falar Sobre Aborto' da Revista TPM.
Banner da Campanha ‘#Precisamos Falar Sobre Aborto’ da Revista TPM.

Bom dia para você que acordou desejando um mundo melhor para todas as mulheres.

As mulheres que abortam.

As mulheres que seguem com a gravidez e são vítimas de violência obstétrica no parto.

As mulheres que são vítimas de olhares de reprovação social porque suas crianças, vejam vocês, choram e se comportam como crianças.

As mulheres negras que criam seus filhos com amor e sacrifício para depois serem assassinados pela polícia e o coro da sociedade “racista cordial” dizer que eram bandidos mesmo.

As mulheres que não querem ter filhos.

As mulheres trans*, com filhos ou não.

TODAS. AS. MULHERES.

Você conhece uma mulher que abortou. Com toda a certeza. Pode ser alguém querida: sua avó, sua tia, até mesmo sua mãe. Porque sim, grande parte das mulheres que abortam tiveram filhos ou terão depois. Muitas vão ser avós fofinhas e dedicadas que preparam a ceia de Natal. Mulheres que abortam são mulheres de família. Da minha, da sua, da de todo mundo.

Se você não sabe de ninguém próximo que abortou um dia é porque a pessoa não sentiu confiança para te contar. E a pessoa provavelmente não te contou porque: 1) esse tema é tabu; 2) a pessoa tem medo de ser julgada por você. Tanto o 1 quanto 2 são frutos, em grande parte, da criminalização.

Conhecemos mulheres que abortaram. Não só a nossa turminha feminista, mas mulheres religiosas, mulheres que têm valores muito mais conservadores do que os nossos. Mulheres abortam. Já abortavam muito antes da palavra “feminismo” ser inventada.

É uma merda que hoje, no Brasil, quem está procurando fazer um aborto está mais solitária do que estava semana passada. Tem o argumento da responsabilidade, né? “Ah, mas é fácil, faz, tira, e a responsabilidade?” Então. É a mulher que arca com ela. Se a questão é ter que impôr um ônus para “essa irresponsável”, pode ficar tranquilo. O ônus é ter que fazer o aborto.

Nos países em que é legal, e portanto mais seguro e menos traumático, não deixa de ser ônus. É no corpo da mulher, sabe? Ela pode ter dores, pode ter que ficar de repouso, vai perder dia de trabalho, de praia, de sexo, de sorvete. Então, galera da culpa, fiquem de boinha aí. A mulher sempre paga. A gente só quer que essa conta seja a mais leve possível.

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Nossas amigas do Biscate Social Club estão com a campanha #AbortoSemHipocrisia. Esse texto faz parte dessa corrente pela legalização e descriminalização do aborto. Participe!

E a Revista TPM continua com a campanha #PrecisamosFalarSobreAborto pelo debate e descriminalização.