Visibilidade? (In)visibilidade?

Texto de Andreia Lais Cantelli para as Blogueiras Feministas.

Parabenizo todas as companheiras e companheiros que hoje 29 de janeiro de 2015 estão se mobilizando em suas bases com ações afirmativas com vistas a reduzir a violência e o preconceito que diariamente agride as pessoas Trans, e que também lutam durante o ano todo por uma sociedade plural, sem transfobia, justa e de respeito e paz.

O Dia Nacional de Visibilidade Trans surgiu em 2004 de uma campanha de prevenção para travestis com o tema “Travesti e Respeito”. Onde o objetivo é praticar no cotidiano social o Respeito que para a população de travestis e transexuais na mentalidade social brasileira é invisível. Nesse contexto travestis e transexuais acabam sendo alvo de violência, estigmatização, exclusão, vulnerabilidade e a não participação nas práticas cotidianas sociais, pelo fato de não correspondem a um constructo social heteronormativo e patriarcal. Assim, a partir desse histórico, o dia 29 de janeiro foi instituído como data nacional.

A Sociedade Brasileira tem em sua mentalidade a existência da população de Travestis e Transexuais como fato. Porém, julgam- se no direito de excluir e colocar para bem longe do cotidiano social as pessoas trans, ou seja, à margem social contribuindo assim para a violência que as pessoas trans sofrem cotidianamente. Enquanto as pessoas Travestis e Transexuais buscam construir suas identidades de gênero de maneira autônoma e fora dos padrões pré-determinados por um coletivo dominante heteronormativo. Isso pode ser observado ao longo da História recente e por conta do fundamentalismo e da predominância de que o alheio é o detentor do poder, da razão e da palavra.

Ato da Visibilidade Trans/ Curitiba 2013. Foto de Lari Schip no facebook.
Ato da Visibilidade Trans/ Curitiba 2013. Foto de Lari Schip no Facebook.

 

A aceitação social da violência contra as pessoas Travestis e Transexuais é a própria negação dos direitos fundamentais de toda uma parcela populacional e contribui para o agravamento das injustiças sociais e o afastamento da democracia.

Em um passado recente, uma série de conquistas foram adquiridas como por exemplo o Nome Social. Porém se trata de um direito simbólico, pois toda cidadã ou cidadão brasileiro/a tem direito a um nome civil, que é  tão primordial quanto o direito à vida. Nesse sentido a população trans brasileira não tem garantido o uso do próprio nome enquanto pessoa humana, detentora de direitos e deveres, não podemos nos basear no respeito às diferenças. Sendo que na sociedade contemporânea a vida das pessoas Travestis e Transexuais é um marco de luta e enfrentamento de violência no dia-a-dia.

A Primeira Violência que podemos destacar é no seio familiar. Onde pai e mãe traçam destinos para seus filhos/as, e no decorrer desta trajetória nem sempre o destino traçado é correspondido, principalmente no caso de filhos/as Trans. Inicia-se aí o primeiro ato de violência contra a pessoa Travesti/Transexual. O segundo e talvez o maior trauma na vida das pessoas Travestis e Transexuais encontra-se no ambiente escolar regular, onde na quase totalidade as pessoas trans, por não corresponderem aos constructos sociais pré-estabelecidos acabam evadindo do processo de ensino aprendizagem e, assim, na continuação de suas trajetórias.

A consciência entre a modificação das circunstâncias e a (auto)modificação só pode ser entendida racionalmente como práxis revolucionária, isto quer dizer que não se trata de esperar milagrosamente que um indivíduo transforme circunstâncias, mas sim um coletivo que “supostamente” encontra-se fora da sociedade.

Assim as ações do dia 29 de janeiro da Visibilidade Travesti/Transexual que ocorrem em todo o Brasil são ações legítimas, pois são idealizadas por coletivos institucionais e pessoais que tem o mesmo objetivo: que é lutar para fortalecer a cidadania da população Trans do Brasil, que foi negada durante a história da nação à qual pertencemos. Quando falamos em (in)visibilidade podemos perceber que no decorrer de todas as outras épocas do ano a população de Travestis e Transexuais do Brasil continua na luta para o reconhecimento da visibilidade e da ocupação de espaços e de práticas cotidianas sociais. Luta  que na maioria das vezes é barrada por um Estado fundamentalista e uma sociedade cis-normativa e conservadora.

As pessoas Travestis e Transexuais não possuem um “botão: tornar visível – tornar invisível”. As pessoas trans tem por direito constitucional experimentar todas as ofertas propostas pelos mais diversos seguimentos sociais, sejam públicos das três esferas governamentais, ou ainda organismos da sociedade privada. Travestis e Transexuais são pessoas humanas, e sim devem ter visibilidade em todos os espaços e em todas as práticas sociais como família, educação, mercado de trabalho, saúde, segurança […].

A Violência que invade a vida das pessoas Travestis e Transexuais para a mídia é apenas um fantasma, colocado à sombra. Isso pode ser justificado pelo opressor como uma legitimidade e uma não prioridade na pauta de discussões, como se isso fosse parte do processo civilizador, onde Travestis e Transexuais não se enquadram nesse processo. Para finalizar esse momento/texto de discussão sobre a violência sofrida pelas pessoas Travestis e Transexuais, notamos ainda que na hora do óbito, o empoderamento do corpo, a autenticidade e a construção da identidade de gênero é deslegitimada. Muitas pessoas trans são descontruídas e desempoderadas, sendo enterradas como o alheio conservador e heteronormativo/cis-normativo determina, desrespeitando toda uma trajetória histórica pessoal.

Assim a pessoa trans é referencial de empoderamento do próprio corpo e da própria identidade, marcando visibilidade não apenas no dia 29 de janeiro, mas sim em toda a sua trajetória de vida.

Autora

Andreia Lais Cantelli é professora de história, mestranda em Educação na UFPR e desestabilizadora da cis-normatividade.

Esse texto faz parte da Blogagem Coletiva pelo Dia da Visibilidade Trans, organizada pelo site Transfeminismo.