Representatividade trans importa

Texto de Daniela Andrade.

Fico muito triste sempre quando vou ver filmes, novelas ou peças de teatro em que há uma personagem trans e ela JAMAIS é trans, aliás, as pessoas trans estão onde?

Onde estão as mulheres transexuais e travestis no Brasil? 90% delas estão se prostituindo, e por que será? É por que está no nosso DNA a prostituição? Não, é por que não nos dão oportunidades, e muitas vezes não nos dão mentindo que não há nenhuma mulher transexual ou travesti qualificada para aquela função.

Será que não existe mesmo? Muitas vezes quando fui procurar emprego, ao telefone eu tinha todas as qualificações, descobriam que eu era trans e de repente, curiosamente eu deixava de ter as qualificações necessárias. Por que será?

Maria Clara Spinelli interpreta Suzana no filme 'Quanto Tempo Dura o Amor?' (2009), pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Paulínia.
Maria Clara Spinelli interpreta Suzana no filme ‘Quanto Tempo Dura o Amor?’ (2009), pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Paulínia.

Sonho com o dia que eu irei ver um filme no cinema, uma peça no teatro ou uma produção da teledramaturgia e poderei enxergar mulheres trans em qualquer papel, não apenas naqueles de sempre, quando raramente há uma mulher trans: a prostituta, a sem família, a desajustada ou a criminosa.

Representatividade importa. É muito importante que as mulheres transexuais e travestis saibam que podem ocupar qualquer profissão, desempenharem qualquer papel, mas isso não acontecerá enquanto pessoas cis estiverem nos dizendo que infelizmente não há ninguém transexual ou travesti qualificada, então, inclusive para interpretar a nós, chamarão pessoas cis.

Lembro de Thelma Lipp, uma mulher trans, escalada para viver uma travesti no filme Carandiru, mas que de última hora resolveram colocar Rodrigo Santoro no lugar. Por que será que acham que um homem cis faria melhor o papel de uma travesti?

Thelma Lipp ficou sem papel, e esse episódio contam que a abalou muito, que ela acabou morrendo com essa dor.

Por que homens cis estão sempre fazendo mulheres trans nas produções e não vemos com a mesma intensidade eles fazendo as mulheres cis?

Se Rodrigo Santoro pode ser a travesti no filme, por que não colocam ele como a heroína da novela das nove?

Não estou aqui apontando que Rodrigo Santoro ou seja lá qual ator cis tem ou não tem talento, estou perguntando onde está a representatividade das pessoas trans?

Por que essas pessoas não estão nesses espaços? O que a sociedade está fazendo para mudar isso? O que os atores cis estão fazendo para mudar isso?

Ou a culpa é toda nossa e nós é que nos viremos com o fato de que moramos numa sociedade transfóbica e cissexista que age com bastante naturalidade quando nossas vozes estão sendo caladas e nossas existências estão sendo apagadas. As existências de fato, não as existências que duram os 45 minutos da novela, do filme ou da peça teatral.

Fica sempre a impressão que se nós mulheres transexuais e travestis quisermos ser atrizes, não poderemos, afinal, conto nos dedos as vezes que consegui me enxergar nas produções da tv, do teatro ou do cinema. As vezes que vi outras mulheres transexuais como eu nesses espaços.

Quando me dizem que ator ou atriz não tem sexo, não tem alma, ou seja lá o que não tem e que podem viver qualquer papel, misteriosamente são apenas as pessoas cis que estão podendo viver qualquer papel. Muito curioso que as pessoas trans continuem invisíveis.

Autora

Daniela Andrade é uma mulher transexual que luta ansiosamente por um presente e um futuro mais digno às todas as pessoas que ousaram identificar-se tal e qual o são, independente daquilo que a sociedade sacramentou como certo e errado. Não acredito no certo e o errado, há muito mais cores entre o cinza e o branco do que pode supor toda a limitação hétero-cis-normatizante que a sociedade engendrou. Escreve em seu blog pessoal: Alegria Falhada. Administra a página:Transexualismo da Depressão.

Esse texto foi publicado originalmente em sua página pessoal do Facebook no dia 28/01/2015.