Homens e barbas pintadas, mais uma vez a mídia fazendo um desserviço

Atualização em 18/07/2016. Recentemente foi criado um tumblr que divulga relatos e depoimentos de abusos cometidos por Mateus Lima. Não compactuamos com a violência contra a mulher e decidimos deixar esse texto de autoria dele publicado para demonstrar como ele tinha interesse em estar em diversos espaços feministas.

Publicamos o texto de Mateus Lima por se tratar de mais um episódio em que a mídia brasileira insiste em usar o feminismo como uma “moda”, retirando seu caráter político e disseminando desinformação.

Em outro episódio recente, a revista Galileu publicou uma matéria de capa sobre bissexualidade que foi repudiada pelas pessoas entrevistadas e pelo coletivo Bi-Sides. No fim de janeiro, foi publicada uma carta de repúdio a matéria de capa bifóbica.

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Texto de Mateus Lima.

Mais uma vez a mídia fazendo um desserviço pra todes nós. E agora me deixando nessa situação ridícula.

Dessa vez, a matéria é do Pedro Diniz. Ele me ligou pra conversar sobre o fato de eu ter pintado a barba de rosa. Me perguntou das minhas motivações e acabou fazendo relações com o fato de ter circulado pela internet recentemente que mulheres estão colorindo os pelos das axilas. Isso, claro, também por conta do projeto Pelos Pelos do coletivo ALÉM, do qual faço parte.

Tudo que está em aspas está distorcido, além de estar descontextualizado. Explico.

A entrevista que foi realizada pelo telefone buscava entender e relacionar o que levava alguns homens a pintarem a barba e algumas mulheres a pintarem os pelos das axilas. Então, claro, em alguns momentos falei do propósito do Pelos Pelos, projeto do coletivo ALÉM, do qual faço parte junto com a Nubia Abe, e não sou “dono” como ele colocou na matéria. Resumindo, o projeto promove que as mulheres tenham liberdade e autonomia sobre seus corpos, que é uma bandeira do feminismo.

Algumas considerações:

Eu não posso ser feminista, sendo homem (ainda que não me identifique com esse gênero e busque a desconstrução disso). Sou cheio dos privilégios por ser homem cis, e são esses privilégios que o feminismo coloca em cheque. Eu e outros homens concordamos que essa desigualdade de gênero não deva existir, buscamos desconstruir esse papel de opressor e apoiamos o feminismo. O mínimo e o máximo que eu sinto que posso/devo fazer, nesse caso, é respeitar esse espaço de protagonismo e luta das mulheres, e rever todas as minhas posturas com a vida (principalmente quando elas me apontam alguma ação opressora), construídas para sustentar uma sociedade patriarcal e mergulhada em todo machismo que somos enisados a reproduzir. O feminismo é uma luta de protagonismo das MULHERES. Eu, no meu papel social de homem cis, carrego em mim, a representação histórica do opressor. Portanto não é por feminismo que homens pintam suas barbas, e nunca será.

Sendo assim, fica óbvio que eu não posso falar em nome das mulheres, e muito menos em nome do feminismo. Eu insisti que a pergunta sobre as axilas coloridas, ele (o repórter) deveria fazer às próprias mulheres. E ele fez, mas colocou tudo em matérias separadas descontextualizando tudo que eu falei. O que eu supus na conversa (pelo que minhas amigas dizem, e pelo trabalho no Pelos Pelos) é que a escolha delas é uma atitude de resistência. Além de deixar os pelos, colori-los chama atenção para o fato de que os corpos são delas e quem determina o que fazer com eles também.

Alguns pontos sobre o que ele diz relacionado às minhas motivações de pintar a barba:

Primeiro, a imagem de masculinidade que a sociedade impõe NÃO é alheia à moda, como ele disse.

Segundo, eu não quero “desconstruir a imagem de masculinidade”. Eu sequer quero ser másculo.

Terceiro, “Os homens são muito cobrados para estar de calça jeans e ser o reprodutor” — Oi?! Acho que nem entendi bem essa frase colocada na minha boca.

Quarto, pintar a barba NÃO representa abdicar do privilégio de ser homem! Os privilégios continuam garantidos aos homens que pintam a barba como eu.

A verdade sobre isso é:

Eu pintei a barba de rosa porque deu vontade de ficar com o visual mais lúdico. Acho que isso faz bem pra qualquer pessoa, ser mais lúdique e buscar liberdade pra fazer do seu próprio corpo o que bem entender. Claro que isso gera um estranhamento e as pessoas que olham devem pensar o que faz um homem de barba pintada e ainda por cima da cor rosa. Isso também devem pensar quando ando de saia por aí. E que bom que pensem e possam compreender outras formas de existir, sendo eu homem ou não. Que essa confusão leve a reflexão a outras formas de aceitar a liberdade de ser que todes deveríamos ter.

Aqui vale lembrar que quem mais tem essa liberdade são homens cis, brancos, heteros (muito do que sou, inclusive). Portanto, é bem mais fácil pra mim, exercer minha “liberdade”, do que para mulheres, pessoas trans* e pessoas negras por exemplo, que têm suas liberdades muito mais limitadas.

Sim, eu busco, de alguma maneira, desconstruir e diluir a ideia de gênero binária que temos. Enquanto isso, apoio o feminismo e busco desconstruir o patriarcado combatendo o machismo (inclusive, e principalmente, revendo as minhas próprias atitudes).

Mas não, eu NÃO falo e nem posso falar em nome do feminismo como esse repórter fez parecer, inventando aspas que não saíram da minha boca daquela maneira e descontextualizando toda a conversa. As mulheres sequer precisam disso, da minha validação, nem a de nenhum homem. E as que me conhecem sabem que não quero de maneira nenhuma protagonizar a luta que é delas!

De qualquer forma, o maior erro dessa matéria foi meu: ter topado responder à entrevista!

Autor

Mateus Lima é fotógrafo e faz parte do coletivo ALÉM. Conheça seu site. Esse texto foi publicado originalmente em sua página do Facebook no dia 09/02/2015.