Texto de Gabi Porfírio.
Meu parecer como leiga do carnaval carioca: a Beija-Flor estava, como sempre, um luxo! Linda. Carros alegóricos colossais, coloridos, fantasias impecáveis, a escola veio redondinha. Assim como a Imperatriz (que nunca vem com nada esplendoroso, mas faz aquele desfile certinho).
A gritaria foi pelo dinheiro injetado na Unidos da Rede Globo, dinheiro que vem de um país rico por causa da extração de petróleo, mas que abriga uma população paupérrima. Em sua proposta de enredo, a Beija-Flor só esqueceu que a “projeção de uma nova África calcada no progresso propiciado pelo ouro negro e nos ideais de unidade, paz e justiça” não é a proposta de Obiang Nguema. Nem de longe.
Assim como no Brasil, os protestos na Guiné Equatorial sofrem repressão violenta; assim como no Brasil, enquanto boa parte da população ainda encontra dificuldade pra comer, mas seus deputados andam em carros caríssimos, o povo da Guiné Equatorial também passa fome enquanto seu ditador ostenta casas, carros, viagens e traz na mala 40 pessoas para virem assistir à consagração de seus desmandos muito bem romantizados em oitenta e dois minutos de desfile da Beija-Flor.

Alexandre Durão / G1.
Que o carnaval carioca não prima pelo dinheiro honesto ou pela honestidade em si não é novidade. Natal já ganhou campeonato para Portela apontando arma na cara de julgador. As crias de Castor de Andrade estão de volta (ou nunca se foram) à Mocidade. Em 2009, pegaram o chefe do tráfico da Mangueira e a Verde e Rosa quase não desfila: se não fosse o Anísio da Beija-Flor a dar (ou emprestar) dinheiro, a Mangueira não estaria pronta para aquele carnaval.
Qualquer escola que tenha envolvimento com tráfico deixa rastro de sangue na Sapucaí. A diferença é que o sangue-confete-serpentina espalhados pela Beija-Flor não era brasileiro. Por que nos comovemos tanto com o que acontece fora do alcance de nossos olhos e os fechamos quando acontecem bem ali, na Baixada Fluminense? Ou na Zona Norte? Talvez seja porque os que aqui morrem oferecem risco para as NOSSAS vidas (ah, malditos assaltantes, traficantes, trombadinhas e cracudinhos) – eles não merecem nossa piedade, eles merecem os postes do Aterro do Flamengo. Os guineenses, não, eles merecem denúncias e reportagens, manifestações acaloradas. Até iniciarem incentivos de imigração guineense pra cá. Aí vai ser confusão, babado e gritaria – que eles morram pra lá para que possamos continuar, daqui, chiando e botando a culpa no PT.
No mais, não é isso que fazemos? O título da Beija-Flor é, para a Guiné Equatorial, o aval que damos à polícia pra matar o negro favelado/periférico do Brasil. As notas 10 da Beija-Flor é, para a Guiné Equatorial, a exaltação que o brasileiro faz ao BOPE, e a todos os policiais que matam primeiro e perguntam depois. Sua comemoração a esse título é, para os guineenses, a política de extermínio que você apoia aqui no Brasil.
Novidade para vocês: somos todos filhos do mesmo açoite.
Autora
Gabi Porfírio é professora de Português e Literatura Brasileira, especialista em Língua Portuguesa e futura mestra em Linguagens pela Universidade Federal Fluminense. Sou uma Blogueira Negra, sou flamenguista, sou portelense.
Esse texto foi publicado originalmente em sua página pessoal do Facebook no dia 18/02/2015.
+ Sobre o assunto:
[+] O ditador e seus amigos. Por Ken Silverstein, traduzido pela Agencia Pública.