Desigualdade na área de TI: de quem é a culpa?

Texto de Jussara Oliveira para as Blogueiras Feministas.

A diferença na participação de mulheres e homens nas diversas áreas de trabalho são bem conhecidas. A TI (Tecnologia da Informação) e outras áreas de tecnologia associadas são vistas geralmente como áreas masculinas, e tem uma participação muito restrita de mulheres nas suas mais variadas formas de atuação, níveis e cargos. Mas onde isso começa?

Semana passada, Demi Getschko, renomado profissional da área de TI, publicou o texto Viva a diferença!, em que exalta as diferenças biológicas como fatores determinantes nas escolhas profissionais de homens e mulheres. Sempre com aquele temor de “buscar uma distribuição igual nas ocupações entre sexos é, a meu ver, errado e perigoso”. Sabemos que há inúmeras barreiras sociais que impedem mulheres de progredir em determinadas carreiras, portanto, a resposta veio rápido. No texto Viva a igualdade, com diversidade, várias mulheres que atuam na área de TI retrucaram o texto de Demi ao darem respostas para as seguintes perguntas: Por quê você acha importante que haja mais diversidade na área de TI? Você acha errado e perigoso dizer que o fator biológico determina a vocação profissional? Por quê?

Ketelem, 19 anos. Estudante de Sistemas de Informação. Imagem do projeto fotográfico 'Delete Seu Preconceito' que visa  denunciar o preconceito que mulheres estudantes e profissionais das áreas de Computação e Tecnologias sofrem no cotidiano.
Estudante de Sistemas de Informação. Imagem do projeto fotográfico ‘Delete Seu Preconceito’ que visa denunciar o preconceito que mulheres estudantes e profissionais das áreas de Computação e Tecnologias sofrem no cotidiano.

Podemos começar falando das diferenças na criação de meninos e meninas. Enquanto as meninas são criadas para exercerem o papel de cuidadoras, mães, donas de casa e seus atributos sociais são mais estimulados, os meninos brincam com brinquedos que incentivam um maior conhecimento de tecnologia, matemática, esportes, etc. Existe todo um padrão de consumo para a infância que reforça papeis de gênero desde o início de nossas vidas, determinando também a maneira como nos vemos no mundo e como queremos nos encaixar nele.

Depois, na escola se ouve o tempo todo que são os meninos que sabem matemática, enquanto as meninas ficariam com as habilidades referentes às áreas de humanas. Além é claro de um desestímulo geral por conhecimento mais técnicos.

Na hora da escolha profissional muitas vezes estamos com uma visão viciada do mundo. Talvez eu queira ser engenheira, mas o que meus pais acharão disso? O que minhas amigas acharão disso? O que elas estão escolhendo? Se não há um incentivo, um questionamento… as escolhas das profissões padrão relativas a cada gênero não se mostram apenas tendenciosas como muitas vezes outras opções parecem impossíveis de serem seguidas. O apoio da família, das pessoas próximas ao convívio social, dos amigos, de professores e do ambiente escolar como um todo influencia muito no caminho que cada jovem segue profissionalmente.

Outros fatores sociais influenciam bastante como localização e mobilidade para chegar a centros de ensino e universidades. Além disso, oportunidades de empregos, possibilidades de salário, nível social, acesso ao conhecimento informal relativo a cada profissão também são fatores que influenciam nas decisões profissionais. Sabemos que não basta ter um sonho e segui-lo, a vida muitas vezes nos impõe outras escolhas.

Representatividade também é um fator muito forte. Sem nunca ter visto alguém com quem você se identifique fazendo aquilo que você pensa fazer, fica difícil imaginar essa profissão como algo possível para si. Por isso, até mesmo colocar fotos de mulheres em materiais de divulgação de cursos de tecnologia parece fazer diferença.

Já nos cursos técnicos ou nas faculdades, as mulheres nas áreas de exatas enfrentam o machismo diário de cursos com a presença maciça de homens. Tendo que lidar com as brincadeiras contantes de professores e alunos, quando não com abusos e toda displicência deste ambiente, em que quando uma aluna faz uma pergunta, escuta como resposta: vai pro tanque! Vai lavar roupa! Volta pra cozinha!

Depois, ao entrar no ambiente de trabalho, novas barreiras surgem. Começa com o processo seletivo, onde muitas vezes o machismo se mostra já na entrevista e fatores como a possibilidade de ter filhos se mostra uma impossibilidade para muitos cargos. Já que hoje não podemos contar com uma infraestrutura pública de qualidade para apoiar no cuidado das crianças. E, essa questão ainda é vista como um impedimento apenas para as mulheres, os homens podem ter quantos filhos quiserem, pois nem passa pela cabeça das pessoas que isso vá algum dia atrapalhar suas carreiras.

Já empregadas, nas áreas de exatas temos que lidar com nossa potencialidade sendo subestimada e questionada o tempo todo. Afinal, a única mulher que parece ser respeitada como profissional é Ada Lovelace, sempre celebrada pelos homens da área de TI como uma grande programadora, mas que faleceu em 1852. Quem está viva atualmente precisa provar constantemente que é tão boa quanto qualquer homem, como se só houvessem gênios naquela sala cheia de trabalhadores comuns.

Muitas vezes acontece também uma invalidação por conta de vestuário, comportamento, vocabulário… para fazer parte do clubinho masculino temos que provar o tempo todo do que somos capazes. Isso as vezes pode chegar ao assédio e a difamação, afinal para uma mulher estar onde está, deve ser por que algum homem a quer lá, certo? Claro que não. Mas esse ambiente nos faz pensar que nunca estamos onde estamos por nossa própria capacidade.

Depois de superada essa fase, sendo que muitas acabam mudando seu comportamento para parecerem menos femininas ou menos acessiveis, ficamos isoladas do tal networking que os homens praticam tanto. Daí vem a desigualdade nos salários e poucas oportunidades de promoção e reconhecimento. Nesse momento, muitas das que conseguiram resistir na área depois de anos acabam abandonando-a ou se restringindo a posições e salários ruins por terem de alguma forma uma melhor possibilidade de atuação.

Existe toda uma construção social que faz com que essas diferenças se perpetuem. Não é de se admirar que uma área tão aquecida hoje seja ainda dominada por homens cheios de privilégios. E, nesse ponto, vale também lembrar que outros fatores como raça, orientação sexual, classe social e outros tantos fatores de desigualdade social também influenciam as possibilidades de atuação nessa área. Mas ainda há quem insista que a questão é vocação, definida pela biologia. O ponto positivo é que hoje algumas de nós se uniram para responder publicamente sobre esses e outros fatores.

Para finalizar, destaco a frase do astrofisico Neil deGrasse Tyson“Então, antes de começarmos a falar sobre diferenças genéticas, nós temos que chegar a um sistema onde existam oportunidades iguais para todas as pessoas, aí sim podemos ter essa conversa”.

Vídeo: Neil deGrasse Tyson – A Mulher e o Negro na Ciência

+Sobre o assunto:

[+] Tese de doutorado explica a dificil missão de ser mulher na área de TI.

[+] Grupos que incentivam mulheres em TI. Por Kamilla Holanda.

[+] Mulheres nas apresentações de tecnologia. Por Anderson Peres com contribuições de Jussara Oliveira.

[+] Vídeo – As mulheres no mercado de TI em debate no FISL16.