Texto de Priscilla Brito para as Blogueiras Feministas.
Então, o que afinal podem fazer vereadoras e prefeitas nos seus municípios em meio à crise política e econômica em que vivemos? No texto de ontem: Por que votar em meio à crise política? Compartilhei algumas das questões sobre as quais tenho pensado e que antecedem a reflexão sobre esses papeis e sua importância no contexto político atual.
As pessoas com as quais conversei argumentaram que as candidaturas feministas tem pouca pretensão de ganhar e são como um convite ao debate ou uma tentativa de incomodar os espaços da política, tradicionalmente dominados por homens brancos, heterossexuais e cisgêneros. Acreditamos que as instituições podem servir para promover a igualdade e por isso faz sentido almejar ocupá-las para então transformá-las.
O desafio é imenso. Em 2016, 5.568 cidades escolherão novas prefeituras (somente Brasília e Fernando de Noronha não fazem eleições desse tipo) e novas composições para as câmaras dos municípios. Embora o Brasil tenha uma estrutura de poder centralizada, com grande acúmulo de poder no Governo Federal, há algumas questões relevantes a cargos desses poderes.
Quem assumir a prefeitura será representante do poder Executivo e, portanto, deve colocar em prática um programa de governo que define onde serão aplicados os recursos dos impostos municipais (como o IPTU e o ISS), além das verbas dos repasses feitos pelo governo estadual ou federal.
Nesse programa de governo, devem constar as políticas que orientarão a gestão das áreas de saúde, educação, moradia, saneamento básico, entre outras. Os programas de todas as candidaturas estão disponíveis no site do TSE para consulta, além de outras informações como coligações e lista de doações. O cumprimento dessas propostas deve obedecer à Lei Orçamentária Anual (LOA), que é elaborada pela Prefeitura e submetida à aprovação da Câmara Municipal. Para entender melhor a organização do Orçamento, dê uma olhada no site do SIGA Brasil, vinculado ao Senado Federal.
Caso o município esteja passando por dificuldades, como é o caso de muitos no país atualmente, o executivo municipal precisa liderar a articulação de apoios do governo estadual e federal para encontrar soluções que mantenham a cidade funcionando.

A Prefeitura, que conta não só com a liderança eleita mas também com a vice-prefeitura e um secretariado, também tem como responsabilidade analisar as leis feitas pela câmara de vereadoras(es), tendo o poder de sancioná-las ou vetá-las. Mas o executivo também pode propor suas leis para a câmara, que por sua vez os discute e vota.
A Câmara Municipal foi encarregada pela Constituição da República de acompanhar a execução do orçamento do município e verificar a legalidade e legitimidade dos atos do Poder Executivo. Por isso, a prestação de contas de cada ano de gestão é julgada pela Câmara a partir de um parecer do Tribunal de Contas municipal, e deve ser aprovada por dois terços das(os) vereadoras(es). Se não tiver aprovação, a prefeitura pode recorrer mas corre o risco de perder o mandato.
No processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, o Tribunal de Contas (nesse caso da União) rejeitou as contas do governo federal, o que possibilitou abertura do processo de impeachment no Congresso Nacional. Antes isso só tinha acontecido em 1937, com Getúlio Vargas. O processo trouxe muito insegurança para as prefeituras, pois com a crise econômica está ficando cada vez mais difícil manter os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A pressão nas cidades é para que a economia local volte a gerar empregos e mantenha a arrecadação, para garantir o equilíbrio das contas públicas. Mas, como o cenário no Brasil e no mundo é de crise — o que torna isso bem difícil — muitas tem apelado para fazer isso por meio de parcerias público-privadas, ou seja, fazendo com que empresas assumam parte dos serviços de responsabilidade do poder executivo. E assim avança a lógica de privatização da vida com o suporte do Estado, o que na prática significa mais desigualdade para o povo em geral.
Já as Câmaras de Vereadoras(es) abrem pleito para mais de 57 mil mandatos. O número de vereadores de uma Câmara é proporcional ao total de habitantes do município. A Constituição define alguns limites, mas o número fixo é descrito na Lei Orgânica do Município.
Além de fiscalizar as ações da prefeitura, é papel das vereadoras legislar no âmbito do município, ou seja, tratar das leis que regem a organização local, seja criando novas, ou alterando e extinguindo as já existentes. Não é da competência do legislativo municipal nada que tenha a ver com a execução de ações ou políticas, como construir escolas ou reforçar o policiamento de algumas regiões. Mas elas podem propor leis ou tributos que garantam melhorias nesses serviços.
Atualmente, as câmaras tem sido uma importante frente para os grupos conservadores e fundamentalistas. A capilaridade das igrejas neopentecostais vem garantindo que muitos dos seus pastores ou lideranças sejam eleitos, o que tem implicado no avanço de propostas de interesse do movimento feminista. A maior parte dos projetos que tramitam no Congresso Nacional, como o PL 5069/2013 — alvo de diversas manifestações feministas em 2015, por propor dificultar o acesso ao aborto para vítimas de estupro — tem réplicas nos municípios.
A Câmara Municipal de Anápolis, por exemplo, ignorou o Código Penal e votou em 2012 uma lei que proibia que os hospitais públicos realizassem a interrupção da gravidez mesmo nos casos previstos em lei.
Por isso, muitas feministas tem se mobilizado em torno de candidaturas que possam tentar mudar esse cenário e enfrentar essa estratégia de dentro dessas instituições. Se ainda acreditamos nelas, precisamos lutar para ocupá-las e tentar impedir que outros retrocessos aconteçam.