A primavera secundarista será toda feminista!

Texto de Marcielly Moresco para as Blogueiras Feministas.

As adolescentes que ocupam as escolas estaduais do Paraná renovam o feminismo e avisam que sem igualdade de gênero não há democracia, nem resistência, nem luta.

Todo dia tem escola sendo ocupada no Estado, já são mais de 800 escolas, além de algumas universidades e núcleos de educação, segundo o site oficial do #OcupaParaná. Nas ocupações, o que eram para ser palestras-aula sobre feminismo, gênero, empoderamento, diversidade sexual e questões étnico-raciais se tornam, muito mais, rodas de conversas e trocas.

Assim como as ocupações de 2015 que começaram em São Paulo, as desse ano também são protagonizadas, sobretudo, por meninas e LGBTIs; e a maioria delas se intitulam feministas.

Em quase todas as ocupações, as meninas assumem a função de “líderes” ou “organizadoras”, falam com a mídia e com a comunidade escolar, organizam as comissões para limpeza, segurança, alimentação, comunicação e saúde, assumem o discurso nas assembleias e reuniões. Muitas vezes, esse protagonismo acaba acontecendo de forma muito natural quando a opressão e o machismo já são presentes no cotidiano escolar e durante o próprio processo decisório para ocupar.

Cartaz em escola ocupada no Paraná. Foto da autora do texto: Marcielly Moresco.
Cartaz em escola ocupada no Paraná. Foto da autora do texto: Marcielly Moresco.

O feminismo e as questões de gênero e étnico-raciais habitam a cultura juvenil. A transversalidade de pautas como classe, raça, religião, inclusão e diversidade sexual é evidente nas ocupações (embora algumas não organizem debates sobre esses temas, a presença de alunas e alunos LGBTIs é inegável). Não é mais preciso que alguém entre numa escola para “ensinar” esses temas aos jovens. Elas e eles sabem perfeitamente argumentar, desconstruir e organizar um movimento de ocupação pautado na luta contra o racismo, papéis de gênero, LGBTIfobia, machismo e a favor da equidade entre mulheres e homens.

Isso prova, mais uma vez, que podem aprovar MP, PECs e leis que barrem os debates sobre gênero e diversidade sexual nas instituições de ensino, pois uma coisa é certa: esses temas permearão o interior das escolas pelas/os próprias/os estudantes. Elas e eles aprendem sobre feminismo, machismo e LGBTIfobia no próprio cotidiano, vivenciando dentro de casa, no caminho para a escola, na própria instituição, nos relacionamentos, nas redes sociais. É por isso que as palestras-aula se tornam muito mais rodas de conversa, pois ali elas e eles sabem o que significa o lugar de fala, sabem que precisam do empoderamento e como conquistá-lo, sabem e vivenciam o machismo diário e sabem como conversar sobre orientação sexual ou identidade de gênero.

As ocupações escolares estão sendo verdadeiros laboratórios experimentais de fazer política para essas/esses jovens; não temos dúvida. Para algumas alunas, essa descoberta e a experiência do poder político acontece pela primeira vez; para outras que já estão acostumadas com manifestações de rua, também ainda é algo novo, pois o espaço de luta é diferente, no qual se altera muito a relação temporal-espacial ali.

As meninas, ocupando esses lugares, ao mesmo tempo em que resgatam um feminismo da década 1970, renovam as discussões e desfaz aquela velha máxima machista-patriarcal que distancia a mulher da política. As ocupações estão aí para mostrar que essas meninas tão jovens estão prontas para falar e, sobretudo, fazer política. A partir dessa perspectiva, não importa mais se as ocupações farão alguma mudança ou pararão as manobras políticas do Governo Federal e Estadual. O fato é que elas já proporcionaram mudanças, já aconteceram com a autonomia e o protagonismo delas e deles.

Elas e eles vivenciam uma coletividade e uma espécie de associativismo muito novo. Ao entrar em uma ocupação, é perceptível como constroem um regime de comunidade, que preferem chamar de “família”. E é nessa unidade que, mesmo não fazendo parte da pauta e dos objetivos dessas ocupações de 2016 (lembrando que as ocupadas do Paraná lutam principalmente contra a “reforma do ensino médio” proposta na MP 746/2016 e a PEC 241/2016), por meio da comunicação dos cartazes, da identidade da mobilização interna, dos códigos linguísticos que usam, da distribuição de tarefas e atividades entre elas e eles, e de muito mais, o feminismo permeia os espaços e os sujeitos.

A ocupação transforma os sujeitos, mas não de forma estática e fixa; ali, elas e eles se fazem e se desfazem. Essa grupalidade permite que sejam produzidas novas alunas e alunos, com a descoberta e a vivência de uma experiência política e com uma performatividade feminista – linguística, corporal e política – que se confunde com as “regras da ocupação”.

Autora

Marcielly Moresco é graduada e mestra em Comunicação Social. Doutoranda em Educação e pesquisa Gênero e Sexualidades. É militante no Coletivo de Jornalistas Feministas Nísia Floresta e na Marcha das Vadias de Curitiba.