Estudando para o vestibular através do YouTube: uma opção para mulheres que são mães

Texto de Renata Arruda para as Blogueiras Feministas.

Depois de se tornar mãe, continuar os estudos é uma tarefa muito mais difícil, principalmente para mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e/ou que não têm uma grande rede de apoio. De acordo com um recente levantamento realizado pelo IBGE, dos quase 25 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos que não frequentam a escola, 26,1% das mulheres estão nessa situação devido à necessidade de cuidar de afazeres domésticos ou de uma criança, idoso ou pessoa com deficiência. Esse número é 32 vezes maior que o dos homens, já que apenas 0,8% deles declarou estar fora da escola pelos mesmos motivos.

Outro estudo importante realizado pelo IBGE, o Aprendizado em Foco, revelou que do total de 1,3 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola sem o ensino médio concluído, 610 mil são mulheres – 35% destas já eram mães. Dentre as mães, apenas 2% conseguiu dar continuidade aos estudos. Em 2013, os dados mostravam que 68% das adolescentes com filhos paravam de estudar antes de completar o ensino médio.

Ainda que, como apontado no primeiro parágrafo, não é apenas a maternidade que afasta as mulheres dos estudos, mas afazeres domésticos e familiares variados que as mantém ocupadas dentro de casa a maior parte do tempo e muitas vezes ainda as obriga a trabalhar desde cedo para manter a família, é sabido que o fato de se tornar mãe costuma ser o principal fator de alienação acadêmica das mulheres. Em um vídeo publicado pelo Coletivo de Pais e Mães da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (COPAMA – UFRRJ), uma estudante declara que seus pais a incentivaram a largar os estudos após ela ter engravidado enquanto cursava a graduação. “Por que você não começa a trabalhar e larga essas besteiras aí. Vai estudar pra quê? Você tem um filho agora”, foram as frases que ouviu. Internamente, o dilema: “Eu vou trabalhar para pagar alguém para ficar com eles? Vou perder meu diploma e o crescimento dos meus filhos”.

UM DEPOIMENTO PESSOAL

Mesmo as mulheres que conseguiram se graduar antes de engravidar sentem dificuldades quando desejam voltar a estudar, seja fazer um cursinho de línguas, uma segunda graduação, pós-graduação ou prestar algum concurso. Não é incomum ver mulheres nas casas dos trinta e poucos anos ou mais, com filhos mais crescidos, que planejam ou sonham retornar ao universo acadêmico. Eu sou uma delas.

Por ter engravidado aos 19 anos, acompanhada de uma violenta depressão pós-parto seguida de síndrome do pânico, emendada com um relacionamento emocionalmente abusivo que durou muitos anos, passei mais de 10 anos mudando de curso ou trancando e voltando para a faculdade, sem ainda ter conseguido me formar em nada (o curso que durou mais tempo foi o de Pedagogia). Mesmo quando minha filha cresceu e eu me encontrei no curso de Letras, acreditando que iria conseguir dar continuidade, tive muitos problemas com a universidade particular em que me matriculei, que não abria disciplinas enquanto me obrigava a cursar duas ou três eletivas por semestre. No início deste ano, a faculdade simplesmente encerrou e curso e transferiu os alunos para a modalidade a distância. De certa forma, estudar em casa funciona para mim: posso fazer meus horários e os prazos são menos apertados. As aulas online em si não são ruins: os professores são os mesmos do curso presencial e se esforçam para manter o padrão, aproveitando ainda para sugerir muitos artigos, livros e filmes para complementar o material oferecido. Requer comprometimento e esforço.

Apesar disso, meu relacionamento com a faculdade já estava mais que desgastado e esse ano resolvi prestar o vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que consegue manter seu padrão de qualidade mesmo sendo tão covardemente açoitada pela crise no estado. A minha decisão foi tomada de forma repentina, enquanto a universidade divulgava o período de inscrições para o 2º Exame de Qualificação, que aconteceu em setembro. Era o mês de julho e eu sabia que teria muito pouco tempo para estudar. Mesmo não tendo ficado com uma pontuação muito alta nesta primeira fase, já que priorizei o estudo de humanas e ignorei todas as exatas, me preocupando somente em não zerar, fiz pontos suficientes para passar para a segunda fase e fazer o Exame Discursivo, ocorrido neste dezembro. Podendo focar somente nas matérias específicas, estudar foi bem mais fácil, embora não menos trabalhoso. Consegui atingir 72 pontos, o que costuma ser o suficiente para classificação no curso para o qual me inscrevi, ainda que a relação não tenha sido divulgada até o momento.

ESTUDANDO PELO YOUTUBE

Conversando sobre isso com uma amiga, que também é mãe e também pretende prestar vestibular, expliquei a ela que meus estudos se basearam em apenas dois tipos de material: as provas anteriores e as videoaulas disponibilizadas por cursinhos e professores no YouTube. Para quem não sabe, o YouTube tem a plataforma YouTube Educação, em que reúne variados produtores de conteúdos voltados para estudos: cursos pré-vestibulares, cursos preparatórios para concursos, professores de diversas matérias específicas, canais de literatura. O material é amplo, e vai desde breves pinceladas e revisões a aulões de uma hora de duração ou mais.

Embora muitos destes cursos não disponibilizem aulas de todas as matérias cobradas em cada disciplina, para que os alunos possam contratar o programa completo, o material disponível é o suficiente para se ter uma boa base de estudos e a qualidade dos professores impressiona – me arrisco a dizer que muitos são melhores do que os que tive na escola. E o que é melhor: estão atualizados e oferecem muitas dicas focadas diretamente no que cai nas provas (a ênfase é o Enem) e, principalmente, sobre a forma como as matérias são cobradas.

Seguindo a sugestão desta minha amiga, resolvi compartilhar os canais nos quais me inscrevi para assistir aula enquanto estudava para o vestibular e mais algumas dicas que funcionaram para mim. Claro, o que deu certo comigo pode não ser adequado ou funcionar para todo mundo, são muitas variáveis a se levar em consideração e, como já mencionei, estudar em casa não é fácil. Vai exigir muita disciplina, vai exigir que se aproveite qualquer tempinho disponível para assistir a uma palestra em vez de navegar pelas redes sociais e vai exigir uma certa organização pessoal. Mas se você está lendo até aqui, significa que está motivada e isso já é metade do caminho. Vale a pena tentar.

DICAS PARA ESTUDAR EM CASA

• Tirar no mínimo duas horas por dia para estudar. Se você não trabalha fora de casa, o ideal seria reservar quatro horas para realizar seus estudos, com espaços para descanso. Essas horas não precisam ser corridas: você pode estudar meia hora agora, uma hora depois e por aí vai. Alguns vídeos disponíveis, como resenhas sobre leituras obrigatórias, não exigem necessariamente que se faça anotações e podem ser assistidos simultaneamente a alguma outra atividade, como durante o almoço, por exemplo.

• Resolver provas anteriores. Uma das melhores dicas, tanto para se conhecer bem a prova e saber como são elaboradas as questões, como para medir o seu conhecimento. É bom pegar as provas dos últimos 5 anos e tentar resolver sozinha, para ter uma noção do que você sabe/se lembra e do que precisa aprender/revisar. Você vai perceber que alguns assuntos se repetem quase todos os anos (como a Revolução Industrial na prova da UERJ, por exemplo) e saber o que é importante priorizar e o que não é.

• Leia os livros obrigatórios e assista as palestras. Se a universidade para a qual você pretende prestar vestibular cobra livros obrigatórios, não deixe de ler, nem que precise carregar os livros para a fila do banco ou baixar uma versão pirata no celular. A leitura de resumos e resenhas não vai ajudar a lidar com questões complexas de interpretações, que vão exigir que você saiba detalhes dos livros. O ideal é fazer a leitura seguindo as aulas de literatura. Por exemplo, este ano a segunda fase da UERJ cobrou Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto e José Saramago. Eu li Machado depois de estudar sobre o Realismo/Naturalismo, João Cabral depois de passar pela segunda fase do Modernismo e Saramago ao chegar em literatura contemporânea. Isso ajuda a nortear as leituras e a fixar o conteúdo aprendido. Também vale a pena procurar filmes e séries baseadas nas histórias, para aprofundar ainda mais a compreensão da obra. Se a universidade promover palestras sobre as leituras obrigatórias, compareça ou procure a gravação no YouTube. As promovidas pela UERJ esse ano e foram valiosas para a realização da prova.

• Consulte o edital e fuce o site da universidade. Pode parecer óbvio, mas muitas pessoas se sentem perdidas sobre como começar a estudar. Minha dica é simplesmente seguir a ordem do edital e se ater ao que eles pedem. Dê também uma olhada nos artigos sobre o vestibular publicados no site da universidade de preferência. Muitos dos canais que irei indicar aqui criam playlists para cada matéria, então você também pode simplesmente começar a assistir desde o primeiro vídeo e seguir daí.

• Se puder, contrate o curso. Muitos dos cursos disponíveis online têm planos bem acessíveis e em alguns é possível assinar somente as matérias que você deseja reforçar. Se a ideia for começar a estudar no início do ano e você gostar muito de algum desses cursos, não hesite em assinar um plano caso tenha condições financeiras. Como eu tinha pouco tempo para estudar, não assinei nenhum, mas o faria com prazer.

• Não negligencie o que você já sabe. Algumas vezes as pessoas pensam que precisam estudar mais aquilo que não sabem bem e negligenciam o que acreditam já saber. Isso significa que muitas vezes você estará sendo mediano em tudo e não dominando nada. Então, procure também estudar a sério aquilo que você domina, para quem sabe chegar o mais próximo possível de gabaritar e aumentar sua pontuação.

• Leia jornais. É necessário estar atualizado para fazer uma boa prova e, principalmente, uma boa redação. Ainda que os cursos tenham aulas específicas de atualidades, em que abordam os principais temas ocorridos e discutidos no ano, vale a pena ler as matérias especiais de jornais sobre tecnologia, política, sociedade, economia e educação. Este ano o Enem cobrou um tema sobre educação inclusiva na redação, assunto muito pouco explorado em escolas, então é bom estar atenta também às publicações de revistas e editorias voltadas para educação.

CANAIS QUE OFERECEM AULAS GRATUITAS PARA ESTUDAR EM CASA

Eis a lista com os canais que utilizei e que indico. Como disse no texto, foquei mais nas matérias de humanas, que são meu forte, por uma questão de economia de tempo, então minhas dicas serão mais voltadas para esta área. Apesar disso, acredito que nos bons cursos as aulas de exatas e biológicas sejam tão boas quanto as de humanas. Aproveito para deixar claro que não tenho nenhum tipo de vínculo com nenhum deles.

Matérias gerais

• QG do Enem: O curso disponibiliza muitas aulas gratuitas e eu indico bastante dos aulões de revisão. Vale a pena fuçar as playlists: gostei bastante do material de literatura, atualidades, geografia e cultura. Esse é um que, pessoalmente, eu assinaria pra estudar.

• ProEnem: Esse eu assisti mais às aulas de literatura. Gostei bastante do professor e do formato das aulas.

• Aula De: Esse aqui é mais focado em revisão, com vídeos mais curtinhos. A playlist de literatura do professor Bira é bem completa e aborda vanguardas europeias com calma, assim como movimentos pós-terceira geração do Modernismo, como o Tropicalismo, além de trazer aulas específicas para alguns autores, exercícios e algumas curiosidades.

• Carecas de Saber: Este tem um formato de aula meio estranho, mas indico fortemente as análises de livros.

• Aulalivre.net: As aulas aqui são mais tradicionais. O conteúdo é legal, mas o formato eu achei um pouco engessado. Para adultas mais acostumadas a aulas convencionais, funciona.

• LAC Concursos: Este canal tem vídeos bem aprofundados de matérias para concursos públicos. Os vídeos têm longa duração, mas a maioria só está completa para assinantes. Mesmo assim, consegui aprender bastante coisa com o que está disponível. Como as playlists são dividas por concursos, é bom jogar na busca do canal a matéria que você aprender (por exemplo, “matemática porcentagem”).

• Descomplica: Esse eu usei mais para aulas de atualidades. Mas é cheio de vídeos com dicas e macetes para provas, vale a pena dar uma fuçada.

Matérias específicas

• Professor Noslen: Canal somente para aulas de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. As aulas são curtas e o professor faz o estilo bufão, com piadas, paródias de músicas e afins. Refrescou bastante coisa na minha cabeça que eu só sabia intuitivamente e me fez fixar muitas regrinhas. Nunca mais poderei escrever onde/aonde sem lembrar da música do Cidade Negra e do professor Noslen. Tem vídeos bem úteis de exercícios também.

• Matemática Rio: Aulas de matemática atualizadas e bem focadas especificamente para provas.

• Se Liga Nessa História: É fortemente voltado para adolescentes, mas as aulas de história são excelentes, fugindo bastante ao formato aula e mais parecendo uma contação de história, com linguagem bem coloquial e um suspense digno de série de TV. Tem ainda aulas de geografia, filosofia e sociologia.

• CineEstória: Não são vídeos necessariamente de aulas, embora sejam gravados por um professor. Ele utiliza o cinema para falar sobre história. Pode ser um bom conteúdo para fixar a disciplina.

Qualquer que seja o método utilizado para estudar, o importante é não se deixar intimidar pelas provas e pela concorrência. Não adianta pensar que está concorrendo com alunos do ensino médio, que estudam estas matérias o dia inteiro, já que outros fatores estão em jogo ao realizar uma prova: maturidade, leitura, experiência de vida. Uma mulher madura que já fez o ensino médio, ou já tem uma graduação e/ou que está acostumada a acompanhar a imprensa e os debates realizados na sociedade, já tem uma base que um adolescente não tem. Muitos adolescentes também não estão tão preparados ou interessados assim, e a motivação faz bastante diferença.

Estude bem a prova, se informe, tire um tempo para assistir as aulas e resolva os exercícios. Apesar da dificuldade, voltar a estudar é possível e está ao alcance de todas nós.

Autora

Renata Arruda é freelancer e trabalha como redatora, revisora e copidesque, além de fazer vezes como jornalista cultural. Mantém um blog no HuffPost Brasil e edita o Prosa Espontânea. Twitter: @renata_arruda.

Créditos das imagem: Em 2015, tema da redação foi a persistência da violência contra as mulheres na sociedade brasileira. Foto: Arquivo/G1.