Quando fui chefe e (re)conheci a misoginia.

Texto de Juliane para as Blogueiras Feministas.

Este texto tem como proposta articular alguns conceitos feministas à minha experiência de ter sido chefe. Quando fui chefe, além de enfrentar grande resistência, por parte dos homens, à minha coordenação, passei por uma experiência em particular que me fez (re)conhecer a misoginia.

Segundo os estudos de gênero e ou estudos feministas, misoginia pode ser descrita como o ódio ou aversão as mulheres. Esse ódio pode se manifestar de diversas maneiras, as mais cruéis são o feminicídio e os crimes sexuais. Porém, ele também se manifesta no cotidiano, em pequenas coisas e outras não tão pequenas assim. Aquelas cantadas de rua nojentas, que nos fazem se sentir envergonhadas e com medo de termos um corpo, é um exemplo corriqueiro de misoginia — estas tive o desprazer de conhecer já na adolescência.


Cartaz da Campanha “Busão sem Abuso”, lançada pela Prefeitura de Curitiba em novembro de 2014. Foto de Valdecir Galor/SMCS/Fotos Públicas.

Minha experiência ocorreu no ambiente institucional, numa tranquila manhã. No setor onde trabalhava – e ainda trabalho – é comum os computadores e demais equipamentos de informática apresentarem problemas, por serem obsoletos e não contarem com a manutenção adequada.

Estando chefe, era parte da minha função ocupar-se destas demandas e, por necessidade e também por interesse, aprendi a fazer algumas coisas: conectar cabos, configurar internet, arrumar impressoras, etc. Ocorreu que um dos colegas, que nomearei como C. estava há semanas com problemas em seu computador, ele já havia chamado os técnicos, estes tentaram arrumar algumas vezes porém, por algum motivo, não conseguiram.

Na intenção de sanar o problema do colega e também de parar de ouvir reclamações, fui até sua sala, me propus a ajudá-lo e comecei a dar algumas dicas de como nós mesmos poderíamos resolver o problema. Para ilustrar a cena, descreverei o que lembro do diálogo:

– C., já tentou fazer tal coisa?

– Ah, você entende de informática?

 – Não, mas já precisei arrumar meu computador e aprendi.

 – Nossa, você entende de informática, não acredito nisso!!

– Pois é, tenta fazer ‘isso’ e ‘isso’ que talvez dê certo.

Nesse momento o problema dá sinais que iria se resolver. C. começa a ficar com o rosto bem vermelho, faz cometários dúbios (ao mesmo tempo elogiando e tirando sarro de mim) e diz, entre risos bem nervosos:

– Eu não acredito que você sabe fazer isso, eu odeio você!

Não lembro o que respondi, e ele continuou:

– Tive problemas no computador da minha casa, chamei um técnico e ele passou uma tarde arrumando.

– Eu acabei aprendendo a resolver essas coisas pois precisei.

– Eu sou uma anta, não acredito que você vai arrumar o computador, eu odeio você.

Terminada a arrumação do computador, ele repete, vermelho e entre risos nervosos: “como eu odeio você”.

E não, não era brincadeira, ele disse e repetiu que me odiava pois era isso mesmo que estava sentindo. Sua linguagem corporal e demais comportamentos manifestos antes e depois desse ocorrido me levam a acreditar que esse homem odeia as mulheres e naquela ocasião estava odiado a mim.

Infelizmente, não é só ele, vários outros homens têm esse problema. Sim, é um grande problema. Odiar, de modo manifesto ou velado, a metade da população mundial é um grande problema.

Percebo que os misóginos odeiam especialmente mulheres que são seguras de si, que sabem coisas que eles não sabem, que não precisam deles para coisas simples ou complexas pois aprenderam a fazer sozinhas, mulheres que tem uma relação bacana com seus corpos de modo que usam as roupas que sentem vontade e por aí vai.

Pra mim foi uma experiência chocante, realmente não esperava vivenciar esse ódio tão gratuito, numa tranquila manhã de trabalho. Mas essa experiência me fortaleceu, me deixou “mais atenta e forte” como canta Gal Costa. Afinal de contas, como bem explicou Manuela D’Ávila: “o machismo é como uma piscina, todos nós estamos dentro dela alguns estão molhando os pézinhos e outros estão afogados na água”.

C. passou, passarão outros. Eu sigo, minha carreira está em construção, será uma trajetória linda. Que os misóginos se afoguem na água podre de seus ódios machistas. E para as mulheres, desejo que sejam chefes!

Sim mulherada, sejamos chefes, estes espaços estão aí para serem ocupados e nós podemos.

Autora

Juliane é uma mulher que ‘hesita, mestiça, entre a pressa e a preguiça’, como escreveu Paulo Leminski. Vive entre livros, gatos, plantas e coisas feitas a mão, sentindo frio em Curitiba.