Texto de Katiuscia Zini para as Blogueiras Feministas.
Em 1949, Simone de Beauvoir publicou o livro O Segundo Sexo, que é dividido em dois volumes. Nestes a autora escreve sobre a situação das mulheres, abrangendo diversos aspectos: biologia, psicanálise, história, desenvolvimento psicossocial, mitologia, entre outros.
Neste ano (2019) a obra completa o septuagenário de sua publicação. Para celebrá-lo escrevi uma resenha comentada sobre a condição das mulheres ao longo da história, temática abordada no Volume I – Fatos e Mitos. Meu texto não segue a mesma ordem apresentada por Beauvoir em seu livro e obviamente está muito aquém do apresentado por ela. Trata-se de um modo de compartilhar um pouco do muito que Beauvoir me trouxe.
Durante a pré história, na figura da mulher se encarnavam mistérios naturais e quando o homem escapa do domínio da natureza, sai de seu domínio. Porém, cabe ressaltar, que era devido ao terror e não devido ao amor que o homem lhe cultuava. Quando a agricultura passa a ser um trabalho de criação, e não algo mágico, o homem torna-se proprietário do solo, reivindica a propriedade das colheitas e também da mulher e dos filhos/as.
As qualidades dos animais e da natureza que causam medo aos homens, justamente por causarem medo, tornam-se preciosas a quem domestica-as. E a domesticação/docilização vem de encontro aos ideais de beleza feminina: são variáveis ao longo da história mas, em comum, precisam oferecer qualidades inertes e passivas de objeto.
O destino da mulher encontra-se atrelado ao da propriedade privada e da história das heranças durante séculos. E, Simone ressalta que a questão da hereditariedade foi inventada, pois não refere-se a questão sanguínea, biológica, de transmissão de genes; esse laço foi inventado pelo homem no intuito de conquistar a imortalidade — tarefa que fracassou, aqui entre nós.
Ainda falando sobre a pré-história, as leis romanas limitavam os direitos das mulheres especificamente por serem mulheres “alegando imbecilidade, fragilidade do sexo”. Aqui cabe um parêntese meu: na história do direito brasileiro nota-se, ainda no ano de 1941 a persistência desta ideia; no Decreto-Lei Nº 3.199, lemos que “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”.
Na idade média, com a organização do feudalismo a condição da mulher apresenta-se como incerta mas o poder marital sobrevive após o término do regime feudal. Quando a burguesia se constitui, para as mulheres, assim como no direito feudal só há possibilidades de emancipação fora do casamento: a filha e viúva têm as mesmas capacidades que o homem porém ao casar-se, torna-se legalmente tutelada. Com a organização da família burguesa surgiram rigores quanto a monogamia, então os homens intensificaram a contratação de prostitutas, sendo que ‘mulheres da vida’ é o termo usado em diversos momentos pela autora.
Simone nos conta que a revolução burguesa foi feita majoritariamente por homens e mostrou-se respeitosa as instituições e valores burgueses. Em relação às mulheres burguesas, esta “faz questão de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe” (p 163). Já em relação às classes trabalhadoras, a autora refere que “as opressões econômicas anulam a desigualdade entre os sexos mas aniquilam as possibilidades do indivíduo” (p 146).
No início do século XIX as mulheres eram exploradas mais ainda que os homens; executavam vários trabalhos em domicílio e recebiam pagamentos menores. Quando fala sobre a disparidade de remuneração entre homens e mulheres Simone cita Karl Marx – O Capital, quando este diz que as qualidades inerentes a mulher são deturpadas em seu próprio prejuízo.
Sobre as grandes figuras da história _ o que hoje discutimos como representatividade _ a justificativa para que estas serem majoritariamente homens se dá pois os “grandes homens” (aspas minhas) surgem da massa sendo levado pelas circunstâncias, enquanto a massa de mulheres encontra-se as margens da história, tendo as circunstâncias como obstáculos e não como trampolins. “Não foi a inferioridade feminina que determinou sua insignificância histórica; sua insignificância histórica foi que votou à inferioridade” (p 190).
Os homens sempre detiveram os poderes, como a história nos mostra, sendo-lhes útil manter as mulheres em sua dependência. Em decorrência da revolução industrial, com a participação da mulher no mercado produtor, as reivindicações feministas deixam de ser teóricas e encontram fundamentos econômicos.
A partir do momento que a mulher torna-se livre, a relação entre os sexos torna-se uma relação de luta. A mulher torna-se uma semelhante e passa a ser temida, como no tempo em que era para o homem a Natureza estranha.
Encerro esse texto com a proposta de reflexão sobre a seguinte frase de Simone: “A representação do mundo, como o próprio mundo, é operação dos homens; eles o descrevem do ponto de vista que lhes é peculiar
e confundem com verdade absoluta” (p 203).
Autora
Katiuscia Zini é psicóloga, especialista em Gestão Pública, especialista em Serviço Social e Gestão do SUAS. Trabalha no atendimento a mulheres em situação de violência.