Mulheres e crianças primeiro, homens descartáveis

Recebemos esse texto da leitora Maria Luiza Valladares. Ela busca descontruir alguns argumentos frequentemente usados por grupos antifeministas e masculinistas para difamar o feminismo. Nesse post, linkaremos dois vídeos de uma pessoa que faz parte do grupo americano MRA (Men’s Right Activist). Geralmente somos contra divulgar esse tipo de conteúdo, porque são baseados em mentiras e distorções de argumentos, porém, faz-se necessário para a exemplificação.

—–

Texto de Maria Luiza Valladares.

Recentemente assisti a alguns vídeos antifeministas no canal do youtube “girl writes what”. Nestes, a autora opina sobre como o feminismo se baseia numa intolerância em relação ao sofrimento feminino e desvalorização do masculino.

Vídeo 1 – violência contra homens e mulheres.

Vídeo 2 – Feminismo, sobrevivência e o homem descartável.

A autora afirma que as vitimas de agressão, homicídio e violência de guerra são em geral homens e, acredita que o fato se trate de uma questão de gênero, visto que ocorre de forma desproporcional se comparado ao nível em que afeta as mulheres.

“Violência sistêmica de gênero só é aceita se tratar de um gênero especifico (masculino)”.

Algo que me surpreende é a parte na qual ela diz que a violência doméstica e a violência sexual atingem homens e mulheres em níveis iguais, porém, só se trata de uma tragédia quando a vítima é mulher e que isso explicaria a pouca divulgação dos casos nos quais quem sofre é homem.

“O feminismo repete o ‘mulheres e crianças primeiro”.

No primeiro vídeo ela expressa que, na idade da pedra, quando os seres humanos encontravam-se reunidos em pequenos grupos, era importante para o homem proteger a mulher a todo custo, pois isso garantiria a sobrevivência do bando e a perpetuação da espécie. Esse modelo se seguiria até os dias de hoje, de modo que o homem acredite que se sacrificar em nome da vida de uma mulher seja aceitável. Porém, não ha dados suficientes para que se possa comprovar essa hipótese sobre papéis de gênero na pré historia.

Eu tenho que seriamente discordar das hipóteses abordadas nos vídeos. Apesar da evidente existência da ideologia de “mulheres e crianças primeiro”, ao contrario do que a autora afirma, em nenhuma hipótese a vida de uma mulher tem mais valor que a de um homem. Na verdade, essa ideologia é bem semelhante ao cavalheirismo no sentido de que expõe as mulheres como meras incompetentes.

Devido às determinações biológicas e culturais que fizeram com que o poder militar fosse constituído por homens, tem-se a ideia da dualidade masculina que fez com que o homem fosse, ao mesmo tempo, o herói responsável por lutar em guerras para defender seu povo, e o vilão responsável pelas invasões que arruinavam cidades. No meio desse contexto, mulheres se refugiavam indefesas no lar. A violência contra homens é consequência da sua participação na historia. Fizeram-se heróis e vilões masculinos enquanto as mulheres permaneceram anônimas.

Manifestante na Marcha das Vadias de São Paulo 2013. Foto de Lucia Freitas/LuluzinhaCamp no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Manifestante na Marcha das Vadias de São Paulo 2013. Foto de Lucia Freitas/LuluzinhaCamp no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Um fator essencial, sobre o qual a autora parece ter se esquecido, é que a violência de gênero se trata da violência de um sexo sobre o sexo oposto. Portanto, o fato de o índice de homicídio masculino ser maior que o feminino não comprova algum tipo de violência sistêmica de gênero, pois quando o homem é uma vitima, o agressor geralmente também é um homem, então, não existe a ideia de superioridade de gênero que justificaria a agressão.

Entro em concordância com a autora na ideia de que existem diferentes pesos para a violência de homens contra mulheres e de mulheres contra homens, mas eu acredito que isso se dê ao fato de que a mulher tem um histórico de opressão que faz com que a violência dirigida a ela tenha raízes misóginas, enquanto, quando dirigida ao homem, a violência tem aspecto diferente visto que geralmente não se motiva pelo fato de ele ser considerado inferior em sua condição de homem.

A minha reação indignada com qualquer mídia antifeminista vem da falta de compreensão do autor com relação ao feminismo e a sua dificuldade de encontrar um contexto histórico ou dados estatísticos que comprovem seus argumentos. É uma ironia a ideia de que os feministas querem pregar algum tipo de supremacia feminina. É um grande equivoco totalmente contrário à proposta. Está na hora de as pessoas compreenderem o feminismo em toda a sua complexidade. É preciso que o tema seja discutido nas escolas. Isso é uma questão de direitos humanos.

Muitas mulheres que usufruem plenamente dos direitos adquiridos por árduos anos de lutas feministas tendem a marginalizar o movimento como se nada devessem a ele. A autora desse vídeo é um exemplo. Ela deveria reconhecer a importância do movimento que possibilitou que ela atingisse um numero tão grande de visualizações e que suas opiniões tivessem tanta relevância e credibilidade mesmo sem ter nenhum dado estatístico.

—–

Maria Luiza Valladares é estudante do ensino médio, gosta de música e literatura.