Texto de Thayz Athayde.
O filme se passa nos anos 50, uma época em que os papéis estão muito bem aceitos e funcionam corretamente. Mas, April se questiona quem criou esses papéis e quem nos mandou segui-los. Ela busca a felicidade de uma forma dela, não uma inventada. E nós, feministas, não somos um pouquinho como ela?
O que me espanta é que um tema que deveria ser ultrapassado ainda acontece nos dias de hoje. ‘Foi apenas um sonho‘ (2009) é um filme que trata de várias temáticas e uma delas é a velha polêmica do aborto. Vendo alguns comentários sobre o filme, me deparei com uma mulher falando do quanto o filme é bonito e tocante, mas em relação ao aborto a visão foi muito errada, segundo ela se o filme fosse abordado de uma outra forma a visão sobre o aborto seria outra.
O grande problema é que todos os dias assistimos uma mesma visão sobre o que é abortar. Como é errado, sujo, feio e que provavelmente quem faz vai direto pro inferno, sem escalas. E essa visão engessa, pois coloca a culpa inteira na mulher, como se apenas ela fosse a responsável pelo filho, é só ela quem tem a capacidade de criar o filho. Afinal, a mulher faz o filho sozinha ou o quê?

O filme coloca a posição da mulher em sua própria ótica, coloca o sentimento intenso de quem está presa em um mundo travestido de dona de casa, enquanto aquilo sufoca de uma forma inevitável. April é uma mulher cheia de sonhos e encontra um homem que parece querer as mesmas coisas que ela, mas o padrão e a rotina do casamento assumem um poder maior diante de um mundo de possibilidades. O filme trata do sofrimento de ser uma mulher em que tudo deve ser perfeito e impecável, quando o preconceito de ser uma mulher com desejos era explícito.
Trazendo o filme para os dias de hoje, podemos observar que mudamos muito em relação a certos conceitos, mas não com preconceitos. A mulher hoje tem mais liberdade em relação a seu desejo, mas as pessoas ainda tentam definir e impor qual é o desejo da mulher.
A leveza do filme é realmente desafiadora. Até onde essa leveza incomoda? E em que ponto deixa de ser leveza e trás personagens reprimidos diante de uma naturalidade moral?
A questão é que o filme incomoda, o diretor Sam Mendes o fez de próposito, mostrando o real e deixando o simbólico pra lá. Com maravilhosa trilha sonora de Thomas Newman, atuação extraordinária de Kate Winslet e um Leonardo DiCaprio muito mais maduro como ator, o filme é uma grande terapia no qual nos perguntamos: eu sou realmente feliz?