Texto de Georgia Faust.
A feminista e filósofa francesa Elisabeth Badinter, que acaba de lançar o polêmico livro ‘O conflito – A mulher e a mãe‘, acredita que estamos no centro de uma involução ideológica no que diz respeito ao papel da mulher. O regresso a um naturalismo desnecessário (parto normal, amamentação, cama compartilhada com filhos, mãe em tempo integral) e a um processo de culpabilização da mulher, pressionada a acreditar que boa mãe é a que se doa por inteiro à maternidade.
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Eu nem sou mãe e nem penso em ser, mas isso não quer dizer que eu não tenha opiniões a respeito da maternidade. E esse parágrafo tão minúsculo me deu so much food for thought que nem sei por onde começar. Como é difícil desconstruir coisas que estão na minha cabeça desde sempre, quase que tatuadas… E como eu me contradigo! Acho que isso é temporário.
Explico. A vida inteira, sempre pensei que o lugar da minha mãe era em casa, cuidando de mim. Morria de inveja das minhas amigas que tinham as mães em casa, eu ia na casa delas e elas faziam lanchinhos e pipoca para gente comer no meio da tarde.
Isso me levou a concluir que o lugar da mãe era dentro de casa. Não o lugar DA MULHER, mas o lugar da mãe. Ou seja, se você fosse solteira ou não tivesse filhos, sem problemas trabalhar fora e etc. Mas, engravidou, acabou-se. Lugar de mãe é com os filhos. Se não queria cuidar de filho, por que os fazer? E isso me levou a uma série de associações perigosas. Uma coisa foi levando a outra e logo concluí que quem quer ser mãe tem que se dispôr a uma série de “sacrifícios”, do contrário, deveria desistir.

Eu queria ser mãe um dia, então, decidi antecipadamente que meus filhos não iriam para cheche nem a pau — pois, jamais confiaria em estranhos educando meus filhos, que se possível eles seriam homeschooled (eu ainda não sabia que homeschooling era proibido no Brasil) e, no final das contas, eu passaria o resto da minha vida em função deles, levando para o inglês, para o judô, para a escola, ajudando nas tarefas, brincando no parquinho, etc, etc, etc. Quando começou o seriado ‘Desperate Housewives‘, a Bree era meu modelo. Queria ser como ela. “Perfeita”.
Todo mundo diz que ser mãe é a maior realização da vida, não diz? Então, eu ia me sentir 100% realizada cada vez que trocasse fralda, cada vez que arrumasse a cama deles, cada vez que tivesse que assinar uma advertência na agenda da escola. E não precisaria de mais nada além disso para ser feliz. Segui a lógica que me ensinaram desde pequena — quando digo me ensinaram, não me refiro a meus pais, mas sim a todo o sistema: mídia, filmes, escola, and so on.
Depois que comecei a ler sobre feminismo, uma série de mitos e crenças que tinha foi caindo por terra. E isso não acontece sem uma certa crisezinha e confusão. Entre elas, esse mito de mãe-perfeita. E também o mito da super-mulher. Foi bem na fase em que eu tava me dobrando em três para dar conta de tudo que eu achava que tinha a obrigação de dar conta. Querendo impressionar — e ser amada — pelo meu então namorado. Entrei numa fase de quase auto-destruição, onde trabalhava 12 horas por dia (super-mulher também tem que ganhar dinheiro), chegava em casa, fazia janta (homens felizes e bem cuidados precisam comer salgado à noite, não sanduíche), lavava as roupas, ajeitava a casa e ainda acatava as ordens aleatórias dele, do tipo: “dá uma limpada nisso aqui”. Porque dar uma limpada é coisa de mulher, logo, ele não podia fazer.
Como é que eu podia não ser feliz assim, né? Ainda não entendo (ironia mode on).
Eu me rendi ao feminismo primeiro fisicamente. Não aguentava mais aquele ritmo de super-mulher e parei. Comecei a pensar: será que alguém de fato aguenta viver assim? Será que EU precisava mesmo viver assim? Onde estava a tal felicidade e sensação de realização que toda mulher deveria sentir ao cuidar da casa e do marido? Será que a anormal era eu?
Agradeço a Betty Friedan por me mostrar que eu não sou anormal e, a Susan Faludi por me mostrar que tudo que eu pensava ser “natural” (inclusive o que diz respeito a maternidade) é resultado do backlash. Bom, como disse lá no começo, eu nem sabia por onde começar, e olha só no que deu…