Há tempos eu gostaria de falar sobre uma diretora brasileira e convenhamos que minha pegada não é muito falar sobre diretoras, escritoras e afins. Jorane Castro só faz filmes sobre mulheres, ou quase, já que na sua trajetória tem o Invisíveis Prazeres Cotidianosem que o elenco é dividido meio a meio. Porém não é sobre o IPC (nome dado carinhosamente ao filme por nós blogueirxs entrevistados) que gostaria de falar, mas do filme mais recente da Jorane, até por que ao assistir várias nuances das personagens me instigaram muito a pensar o lugar da mulher na sociedade, mas principalmente o lugar da mulher na Amazônia.

“Ribeirinhos do Asfalto” poderia ser a história de diversas mulheres que conheci ao longo do tempo que morei em Belém, fosse na parte insular da cidade, fosse quando adentrava pelo estado. Mulheres que sonham sair de suas palafitas para morar em outro lugar, mulheres que lutam para não serem retiradas de suas palafitas por grileiros, mulheres que querem melhor educação e oportunidades para seus filhos, ou seja, mulheres que são iguais as mulheres maioria da população brasileira. Confesso que ao começar a assistir o curta fiquei receosa dele retomar o enredo de “Vida Maria“, já que os dois filmes falam da vida de mulheres nos rincões do país, mas Ribeirinhos – assim como o outro filme da Jorane chamado “Mulheres Choradeiras” – acaba indo para o outro lado.
Vamos lembrar que não sou crítica de cinema e este post também não pretende nenhum pouco a criticar o curta, mas pinçar alguns elementos das personagens femininas, que também são o principal foco do filme, e da ânsia que tanto Rosa (Dira Paes) quanto Deisy (Ana Letícia Cardoso) tem de mudar a própria vida e sabem que apenas elas mesmas podem ser protagonistas destas mudanças.
Ela reforça que a produção optou por filmar em locações, interferindo o mínimo possível nos cenários já existentes. “O filme é de ficção, mas com uma cara bem forte de documentário”, disse. (Ribeirinhos do Asfalto. “A filmagem caiu” (primeiro dia))
“Ribeirinhos” conta a história de uma família, mais especificamente das mulheres de uma família de ribeirinhos do Combú. Rosa discute com o marido sobre a vontade que a filha Letícia em de continuar os estudos e a manutenção dela na ilha acabaria por fazê-la parar de estudar.
Depois das documentais, a equipe se preparou para primeira cena com atores. Jorane a Pablo optaram por um plano-sequência que se inicia no trapiche e avança, casa adentro, até chegar à cozinha onde estão conversando Rosa e Everaldo. O plano começa com o “filho” dos dois, Anderson (Guilherme do Rosário, morador do Combu), carregando dois cachos e pupunha, que ele deixa no trapiche e volta para dentro da casa, passa pela irmã, Deisi (Ana Letícia), e vai até a cozinha onde Rosa corta do cabelo do marido. A conversa entre os dois é tensa e dá uma ideia das diferenças entre o casal. (Ribeirinhos do Asfalto. Segundo dia: “valendo!”)
Rosa literalmente peita o marido para que Letícia continue a estudar, isso queria dizer que ela teria de se mudar para Belém, e quando vão a capital paraense novamente Rosa negocia com uma prima para que Letícia possa continuar seus estudos na capital. A realidade retratada no curta da Jorane é a realidade existente em boa parte dos rincões do país, só assistir o “Vida Maria” linkado ali em cima.
Falamos tanto de empoderamento da mulher por aí, mas quando me deparo com filmes como estes dois me deparo o quanto esta questão de empoderamento ainda é uma saída muito individual, sem o pensar coletivo, pois seja a Rosa, Letícia ou Maria, é necessário uma saída coletiva, de emancipação real. No caso do “Ribeirinhos do Asfalto” e “Vida Maria” fala-se diretamente do déficit de vagas existentes não em um ou outro estado brasileiro, mas no país como um todo, uma educação concentrada nas capitais ou metrópoles regionais, não possibilitando o acesso à todos, em especial as mulheres.
“Ribeirinhos do Asfalto” fala do lugar da mulher na sociedade, da dificuldade de acesso a educação e do quanto estas duas coisas estão ligadas, seja por conta da educação infantil, seja por conta do ensino superior. Algo que era óbvio pra mim ficou mais, não há como pensar mudanças na educação ou qualquer outra mudança social profunda se isso não envolver pensar política para as mulheres, pois ao confrontar um marido para garantir estudo para as filhas as mulheres da classe trabalhadora se colocam em risco, pois não é raro em confrontos entre casais mulheres apanharem por discordar do comapanheiro. E não apenas na questão educacional, mas tantas outras.
No mais, depois de assistir este curta parei pra relembrar diversas histórias de mulheres ribeirinhas lutando para garantir suas terras e confrontar grileiros e o latifundio.