O empoderamento das mulheres passa também pela independência financeira. Claro que não só, e claro que apenas a independência financeira não é garantia de nada. Mas é uma questão importante, tanto mais que, no sistema patriarcal em que vivemos, até há pouco tempo sucesso financeiro ainda era tido como um atributo tipicamente masculino.
Primeiro, existe o estereótipo de que mulher adora compras e gasta em futilidades. Nós mulheres somos bombardeadas pela pressão da indústria cosmética e da moda, que nos faz sentir inadequadas e imperfeitas. Pelos padrões que a mídia exibe a todo momento, muitas mulheres nunca se sentem suficientemente belas, jovens e magras para atender a esse padrão irreal. Isso cria uma demanda indefinida, que facilmente corrói nosso dinheiro, embora sem nunca trazer uma satisfação real acerca de nós mesmas. Sabemos que a baixa auto-estima das mulheres, alimentada cotidianamente pela própria indústria, pode ser fonte inesgotável de lucro.
Embora realmente as mulheres sigam liderando os números do consumo, existem sinais de que elas estão cada vez mais envolvidas nas decisões de compra. Este artigo publicado no portal Delas pela jornalista Verônica Mambrini apresenta a opinião de especialistas sobre o assunto, de que geralmente são as mulheres que se preocupam em comprar aquilo de que a família necessita, enquanto o homem toma decisões relacionadas à compra de bens mais caros ou de seu interesse particular, como uma TV ou um carro.
Infelizmente as mulheres também têm superado os homens nas taxas de inadimplência, como consequência da falta de educação financeira de modo geral, mas ainda mais para a mulher. Nas gerações de nossos pais e avós, dinheiro era assunto de homem. Conheço mulheres que têm seu próprio dinheiro e uma situação financeira bem privilegiada, mas não tomam decisões significativas sozinhas, recorrendo sempre a um irmão ou outra pessoa do sexo masculino na hora de fazer um gasto mais significativo, como comprar um carro ou imóvel.
Além disso, ainda há em muitas famílias um desequilíbrio em termos de investimento em carreira. Como a responsabilidade com a casa e os filhos acaba recaindo sobre os ombros das mulheres, os maridos ficam mais livres para investir na própria carreira, e isso se reflete numa melhor situação financeira para eles a longo prazo.
Por incrível que pareça, ainda existe uma certa percepção de que, se a mulher ganha mais do que seu marido, o casamento corre riscos, como mostra este artigo da Folha de SP, que indica ainda a dificuldade entre casais para discutir as finanças e tomar decisões a fim de proteger o patrimônio de cada um, o que fica claro quando se pensa que acordos pré-nupciais ainda são controversos no Brasil.
A boa notícia é que começa a haver uma percepção geral de que, mesmo com a falta de educação financeira formal, a mulher tende a ser mais responsável com dinheiro e é quem vai transformar crédito em empreendimentos. Programas do governo e iniciativas públicas e privadas de microcrédito preferem colocar os recursos nas mãos das mulheres, por preverem que elas serão mais comprometidas com a geração de renda familiar e proporcionarão mais estabilidade aos filhos. O conceito de microcrédito, que está ajudando a mudar a vida de muitas mulheres, foi idealizado pelo bangladeshiano Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 pela iniciativa.
O microcrédito, da forma como foi concebido por Yunus ao fundar o Grameen Bank há [mais de] 30 anos, envolve a concessão de pequenos empréstimos sem garantia a grupos de pessoas de baixa renda – especialmente mulheres – para que possam investir em atividades de geração de renda, como forma de melhorar a capacidade lucrativa e portanto reduzir a pobreza.
Mas além de conceder esses pequenos empréstimos, programas bem-sucedidos de microcrédito dão aos tomadores – e a seus filhos – acesso cada vez maior a serviços sociais básicos. (…) O microcrédito também empodera as mulheres, permitindo-lhes tomar decisões econômicas e contribuir com uma proporção maior da renda familiar.

O programa de habitação do governo federal, Minha Casa Minha Vida, prioriza a posse dos imóveis às mulheres. Nas palavras da Presidenta Dilma Roussef no ato de lançamento da segunda fase do programa: “Delas era exigido, para ter a propriedade, a assinatura do marido. Pois é, agora não é mais. (…). De qualquer jeito que a gente olhe, a mulher está sempre encaixada no lar”.
O mercado financeiro também está prestando mais atenção às mulheres de classes média/alta que estão ascendendo profissionalmente. O site da BM&FBOVESPA indica que, de 2002 a 2010, o número de mulheres investidoras saltou de 15 mil para 136 mil.
O público feminino tende a pensar mais a longo prazo, diferente do perfil masculino. Entre os objetivos delas estão: aumentar o patrimônio e a riqueza ao longo do tempo e ter uma aposentadoria mais tranquila.
A BM&FBOVESPA também oferece um programa de educação financeira chamado Mulheres em Ação, com palestras e cursos (a maioria gratuita) e uma planilha financeira para download.
Creio ser importante tomarmos nas mãos as rédeas da nossa vida financeira e investirmos na nossa própria educação financeira. Se somos privilegiadas, cabe a nós ajudar a construir uma sociedade em que não sejamos consideradas consumidoras fúteis, alvo fácil da propaganda e do consumismo, mas sim senhoras de nossas decisões, capazes de potencializar o fruto do nosso trabalho para realizarmos nossos sonhos e projetos.
Nota 1: Geralmente a gente não aprende na escola nem em casa a fazer planejamento financeiro, e cada pessoa acaba descobrindo a própria forma de controlar seu dinheiro. Mas sempre existem opções racionais que a gente não necessariamente considerou. Eu já fiquei no vermelho várias vezes, e se pudesse dizer para as pessoas evitarem essa situação, recomendaria que tomassem cuidado com algumas armadilhas comuns, que descrevo no arquivo que você pode baixar aqui.
Nota 2: Este post foi feito a partir da contribuição valiosa de vários membros em discussões no grupo Blogueiras Feministas, especialmente Amanda Vieira, Mari Moscou, Xênia, Iara, Bárbara Lopes e várias outras.