DST, HPV e outras siglas silenciadas

Lembro de ouvir falar sobre DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) pela primeira vez, de forma mais profunda, nas aulas de ciências do colégio. Quando se trabalha o sistema reprodutor humano, dependendo do quão progressista for o professor, aprendemos a colocar camisinha em uma banana ou uma cenoura e vemos uma porção de fotos assustadoras de genitálias gravemente lesionadas.

O mantra repetido por alguns professores, pais e campanhas publicitárias, “use camisinha”, não dá conta de informar substancialmente os jovens sobre as tais doenças sexualmente transmissíveis. Embora ele seja fundamental, o que fica é a impressão de que DST não apenas são super nojentas (as fotos dos livros de biologia cumprem seu papel traumatizante), mas são coisa de gente irresponsável, promíscua, anti-higiênica.

Só que um dia você, mulher, faz a sua consulta de rotina no ginecologista e, TCHÃNZ!, é diagnosticada com uma delas. E aí dá-lhe crise existencial: Mas como? Mas eu usei camisinha! Mas quem foi o/a desgraçado/a que me passou? Mas eu sou tão cuidadosa! Mas eu nem tive tantos parceiros assim!

[+] DST no Brasil

Uma coisa que não nos disseram nas aulas de ciências é que o contágio de DST é uma coisa que, bem… pode acontecer com qualquer um. É possível, inclusive, ser contaminado por algumas delas mesmo usando preservativo, embora as chances sejam muito reduzidas. É o caso do HPV (Vírus do Papiloma Humano), por exemplo, contra o qual não há prevenção absoluta.

Camisinha com a foto do Papa Bento XVI foram distribuídas na África. Foto: AFP/GETTY

É importante lembrar, nesse ponto, que a nossa juventude informada pelas aulas de ciências, que uma vez ou outra “esquece” da camisinha na hora da penetração, raramente usa preservativo no sexo oral. Admito que minha fonte estatística é o ouvi-por-aí-ômetro, mas vou supor que a informação procede. O fato é que, por mais que possa ser chato, “ai, ninguém usa!”, fazer oral sem preservativo é se expor ao HPV e a outras doenças sexualmente transmissíveis, que podem se desdobrar em problemas bem sérios.

Então, não é porque a camisinha não protege totalmente contra todas as DST que se deva abandoná-la. E mais, ela protege 100% contra o vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), mais uma sigla nessa salada, só que essa mais famosa: a sigla que mata.

DST são, portanto, doenças absolutamente comuns. Pesquisas mostram que 50% a 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas por um ou mais tipos de HPV e – essa é tensa – 50% dos homens estão infectados pelo vírus (O HPV, assim como outras DST, podem ser assintomáticas, daí o número tão alto).

Metade dos homens está infectada com um vírus de cuja sigla raramente ouviram falar, porque não se fala sobre DST para além daquelas aulinhas de ciências da sétima série. E descobrir-se portador de uma bactéria ou de um vírus que se aloja lá naquele lugar  tem toda uma carga de vergonha, humilhação e nojo.

Receber o diagnóstico é sentir-se mal, especialmente quando você é mulher. Brota um remorso, “eu não devia ter dado tanto por aí”, “se eu fosse casada/monogâmica não teria pego”. Essa, aliás, é uma das falácias mais danosas em relação a DST. Uma atividade sexual livre não causa de forma alguma o contágio por uma delas.

Muitas pessoas em relações monogâmicas contraem essas doenças e é possível que isso aconteça através do contato com fômites (objetos inanimados capazes de absorver organismos contagiantes, como sabonetes, toalhas, etc.). Em contrapartida, a nossa querida Letícia, com sua vida sexual agitada, nunca teve DST alguma. Então que se reforce: a culpa não é da biscatagem! 🙂

Bom, então se DST são doenças super comuns e não tem prevenção totalmente segura, o que fazer? Resposta simples: acompanhamento médico periódico. A grande maioria das DST tem tratamento simples e vai sumir rapidinho da sua vida.

Uma questão interessante é que esse acompanhamento parece ficar muito mais a cargo das mulheres do que dos homens, já que elas tem uma especialidade médica voltada para o seu aparelho reprodutor, enquanto não há especialidade similar para os homens, sendo que ambos são possíveis portadores de doenças sexualmente transmissíveis na mesmíssima proporção. A urologia trata do urinário tanto feminino quanto masculino, tratando também do aparelho reprodutor masculino, não sendo, portanto, uma especialidade com a mesma especificidade da ginecologia.

Certamente esse fato não é uma infeliz coincidência do destino: a ginecologia formou-se como especialidade médica no século XIX como resultado de uma necessidade da comunidade médica predominantemente masculina de controlar o corpo e a sexualidade femininos. A ginecologia, em sua origem, pretendeu servir pra manter sob o jugo masculino a velha ambigüidade puta x santa que enxergam na figura da mulher: por um lado, preservar seu aparelho reprodutor para garantir seu potencial materno e, por outro, controlar sua libido e sua natureza sexual devassa, mantendo as mulheres na linha – linha da moça recatada e futura mãe.*

Não é por isso que proponho tomar nossos ginecologistas como inimigos a serviço do patriarcado, muito pelo o contrário! Mas a reflexão em torno da responsabilidade do homem pela sua saúde reprodutiva – e, por extensão, por todos com quem têm contato sexual – é fundamental. Embora não funcione como a ginecologia, uma visita periódica ao urologista pode dar conta do recado.

* Bibliografia:

MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2004.
ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2001.