“Meu cabelo é bom, ruim é o racismo”.
Esta maravilha de slogan pertence ao CABELAÇO – evento que ocorre na rodoviária do Plano Piloto, no centro de Brasília. Uma mobilização organizada pelo coletivo de mulheres negras Pretas Candangas, cuja última edição ganhou um motivo a mais: “a abolição inacabada”. Somam forças à manifestação os grupos de capoeira angola sediados na capital.
A grande presença de mulheres capoeiristas torna a ocasião muito oportuna, para se fazer valer a prática dos valores de igualdade e liberdade. A atual geração Angoleira* vive este diferencial. Pela primeira vez, na história da capoeira, temos mestras reconhecidas pela hierarquia da capoeiragem. É hora camará! As mulheres, finalmente, lideram grupos de capoeira. E jogam, cantam e tocam para romper preconceitos e, ao mesmo tempo, preservar a tradição desta cultura. E lá estava Mestra Elma!

A roda da capoeira é metáfora da grande roda da vida. Um dos diferenciais da capoeira Angola é o compromisso com a memória e os fundamentos da capoeira. Desafiador é manter nosso jogo, nossa roda na camaradagem. No dia Internacional da Mulher deste ano, num evento que pretendia debater “A mulher na Capoeira” a contramestra Mariposa, após debate e palestra foi covardemente agredida por um “Mestre”.
A contramestra Mariposa fala das justificativas para tal agressão:
Incomodei, por discordar da colocação do tal “mestre” de que a mulher ainda não tem a posição do homem na capoeira por causa de preguiça e falta de atitude, que as alunas ficam esperando que o mestre as pegue pela mão.Incomodei, por discordar (dele também) que a única diferença entre o homem e a mulher é a força física.Incomodei, por estar num espaço ainda machista, falando da atuação da mulher.
E, enfim, incomodei porque aquele cidadão não ocupou seu lugar preferido naquela tarde, o lugar de autoritarismo inquestionável, o locus da atenção exclusiva dos mestres presentes.
Este caso ilustra o quanto o mundo ainda precisa dar “muitas voltas”, até que a violência contra as mulheres acabe. Mas, o que nos ressalta é que mesmo nos eventos e espaços organizados por mulheres, e/ou que tenham a questão de gênero em perspectiva, estas agressões permanecem. E mais ainda, permanecem no universo da capoeira, que surgiu como uma das respostas à escravidão. E, infelizmente, ainda precisamos de práticas que respondam a escravidão dos dias atuais: a que violenta e subjulga mulheres.
Na roda da capoeira angola a musicalidade é uma arma. Os instrumentos fazem parte do ritual: agogô, caxixi, pandeiro e atabaque estão junto aos três berimbaus: viola, médio e GUNGA. Sendo o último, o Gunga, o maestro do rito. Quem toca o Gunga comanda a Roda. Portanto, os mestres e mestras tocam o Gunga. E ali no Cabelaço, foi um sufoco a mestra tocar o Gunga. E compor a bateria com mulheres foi impossível. Além de insistir em não partilhar os instrumentos, teve capoeirista insistindo em desrespeitar os fundamentos da capoeira e cantava em alto e bom som: “GUNGA é meu”.
O respeito aos mestres é um dos fundamentos da capoeira. E quando temos mulheres como mestras / contra-mestras subentendemos que este respeito e reverências aos fundamentos serão estendidos com a mesma igualdade. Quando isto ocorre o legado da capoeira , que é uma prática de resistência, se mantém vivo.
O canto também é elemento norteador das forças da capoeira. Quando a bateria chama “dendê, o dendê…” já fecho os olhos esperando a resposta. E quantas vezes, ainda ouço: “sou homem, não sou mulher”. Este canto foi ressignificado pra dizer que entramos na roda. Respondemos (nós angoleiras): “TEM HOMEM E TEM MULHER”. Na mandinga mesmo de construir um imaginário onde as mulheres capoeiristas sejam visibilizadas na roda.
A blogueira feminista Karen Polaz também escreveu sobre a experiência vivida como mulher na capoeira e me pergunto, quantas de nós compartilhamos da mesma experiência ?
Afinal de contas: “meu jogo é bom, ruim é o machismo!”
Muito respeito ao cabelaço, as pretas candangas e a capoeiragem presente. Muito respeito as nossas ancestrais que sempre jogaram capoeira, às anônimas e as que lideram grupos de capoeira, nossas mestras e contramestras mundo afora. Sempre buscaremos respeito à nossa ginga. Por isso, não vamos silenciar a discriminação na capoeira. Vamos responder com nossa força em jogar, cantar e tocar sempre mais e melhor. Porque assim sabemos que emponderamos a capoeira e nós mesmas… o gunga é nosso. Iê, camarás!
*Capoeiristas que praticam a capoeira de estilo conhecido como Angola.