Quando conheci o feminismo, entendi que os homens têm privilégios na sociedade e enchia minha boca e meu facebook de frases que sugeriam que os homens os reconhecessem e a importância disso para a luta contra o machismo. Aprofundando-me nas reflexões, compreendi melhor algo que já me incomodava desde a infância: eu também tenho privilégios. Sentia um grande incomodo e não compreendia bem aquele sentimento que beirava a culpa.

Estudei em escola pública, onde havia muit@s negr@s. Estudei também em escola particular, na minha turma só havia branc@s. Na universidade, a maioria d@s negr@s eram bolsistas. Hoje, trabalhando com a população em situação de rua, me deparo com mais uma discrepância: a maioria é negra. Agora, me atentando a isso, percebo que o racismo se reproduz também nos movimentos sociais. Como a Mari Moscou coloca muito bem em seu texto “Mulheres” são brancas; “Mulheres negras” são negras: “quando não se diz a cor, a etnia, a raça, ela é branca, ocidental, europeizada”. E isso não pode ser “normal”, “natural”, “assim mesmo”…
Mais do que reconhecer o racismo da sociedade, hoje compreendo que é fundamental que eu saiba que minhas conquistas foram fruto muito mais do meu privilégio branco-classe-média do que do meu esforço, como um dia me disseram. Dessa forma, é minha obrigação a autovigilância constante para não reproduzir o racismo, inclusive no meu feminismo, porque as reivindicações das mulheres negras são impreterivelmente feministas.
Tenho aprendido muito com o Blogueiras Feministas. Um dos assuntos que tem me chamado a atenção é o cissexismo, que a Jarid Arraes explica muito bem no texto Cissexismo e o Feminismo. Há pouco tempo, esse tipo de reflexão nem passava pelas minhas discussões. Foi essencial que eu conhecesse melhor a questão trans* para reconhecê-la como pauta do feminismo. Afinal, também estamos discutindo papéis sociais de gênero.
Mais uma vez, senti um grande incômodo e percebi mais um privilégio. Porém, o desconforto foi ainda maior. Primeiro porque me pareceu muito óbvio que o preconceito contra pessoas trans* é enorme, mas nunca havia pensado no assunto. Segundo, porque vi pessoas se negando a reconhecer isso. Pessoas que como eu, apontam a necessidade dos homens perceberem seus privilégios. Muito me espantou ver feministas dizendo que há exagero nos apontamentos das pessoas trans* quando muitas vezes já foram acusadas de ver machismo em tudo.

Pode até parecer simples, ou mesmo evidente para algumas pessoas, mas percebo que não é tão fácil reconhecer privilégios. O mal estar é grande e a mudança gera desconforto. No meu caso, foi aquele sentimento estranho que mencionei, beirando a culpa. No entanto, isso não é pretexto para não debater e não se informar. Só assim paramos de naturalizar as coisas e reconhecemos, de fato, as desigualdades e as opressões.
Ninguém disse que seria simples. Ser feminista não é apenas perceber problemas, é responsabilizar-se por eles. É questionar o estrutural, o cristalizado e a própria formação. Isso não é mérito algum, não é ser legal ou mais feminista. É a minha obrigação.
Machismo, racismo, homofobia, cissexismo, preconceito de classe… O problema não é vê-los em tudo. O problema é não ver.