Diário de Classe: o conflito entre juventude e escola nas redes sociais

Texto escrito a quatro mãos por Amanda Vieira e Srta. Bia.

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A estudante Isadora Faber tem 13 anos e virou assunto na imprensa por denunciar sistematicamente, por meio da página Diário de Classe no Facebook, seus incômodos em relação à escola pública onde estuda. As postagens abordam desde a qualidade da merenda escolar, passando por pintura/manutenção da quadra de esportes, metodologia dos professores e por vezes comentários pessoais sobre temas do noticiário. O teor crítico das postagens não poupa nem seus colegas: critica os estudantes que fazem bagunça em sala de aula sem nenhum pudor. Algumas de suas reivindicações foram atendidas, outras tiveram repercussão negativa. Fato é que ela virou notícia e muito se falou sobre Isadora. A página criada por ela tem muitos fãs (mais de 500 mil), sem dúvida. Mas o chama a atenção são os comentários negativos em torno da atuação de Isadora.

O programa Fantástico recentemente apresentou uma matéria em que mostra a violência que a família de Isadora Faber vem recebendo da comunidade e a reação de alguns professores que decidiram fazer boletins de ocorrência contra a aluna. A visão que se tem é de que não há mais diálogo entre as partes. E isso evidencia mais um problema na educação brasileira. Como criar relações igualitárias num ambiente escolar em que os conflitos são constantes, o nível de estresse a que os professores estão expostos é alto e o desrespeito tanto por parte de alunos quanto dos pais cresce diariamente? Com certeza a mídia não nos ajudará a compreender melhor essa situação dividindo os envolvidos entre mocinhos e bandidos, nosso desejo nesse texto é refletir sobre as relações dos jovens com as redes sociais e a escola, por meio desse caso.

Outro questionamento que surgiu sobre a atuação de Isadora foi o seguinte: “Como essa menina foi se expor desse jeito? Foi abrir a boca, agora está com depressão”. Quer dizer, como é que uma menina de 13 anos corre esse imenso risco de… opinar? De usar sua liberdade para expressar algo, um descontentamento com uma escola? Deve Isadora temer a liberdade? Que liberdade é essa que ela está exercendo e que é tão perigosa?

Screenshot da página Diário de Classe no Facebook.
Screenshot da página Diário de Classe no Facebook.

Essa é uma das reflexões feministas que podemos fazer. Esse conceito mais ou menos divulgado na mente das pessoas de que crianças ou adolescentes não têm capacidade alguma de se expressar. Ou ainda, capacidade de se expressar em público, ser livre, é algo tão perigoso que só algumas pessoas podem fazer isso e mesmo assim só quem pode suportar o tranco da liberdade. Só homens podem se expressar politicamente, publicamente, sobre algo?

Outra crítica bastante comum nas redes sociais foi a de que Isadora era parcial e ela poderia estar desrespeitando professores sem ninguém saber. Teve professor que fez Boletim de Ocorrência contra ela. Sim, mas é óbvio que ela apresenta uma visão parcial! Por acaso Isadora Faber, com 13 anos, começou a ser cobrada como uma jornalista sem diploma de faculdade, com obrigação de ver “os dois lados” de uma notícia? O que estamos esperando de crianças e adolescentes, que elas se calem ou que elas falem, de acordo com a realidade delas ou como adultos completos, formados?

O terceiro ponto muito questionado foi o de que ela deveria promover um ação coletiva, envolver mais os alunos, fundar um centro acadêmico, se politizar minimamente. Quer dizer, ir para a internet escrever para o mundo o que ela pensa não é válido? Só é válido se a ação estiver respaldada num coletivo? Se algumas das reivindicações dela – e que beneficiam um grupo de pessoas – foram atendidas isso fica automaticamente deslegitimado porque ela precisava de um coletivo para validar sua ação política? Se uma mulher se levanta pra tecer uma crítica ela precisa estar num grupo, ela sozinha não dá conta de ter legitimidade?

Num conflito em sala de aula pode haver vários lados e versões da mesma história. Não vemos a mídia e nem as pessoas buscando compreender a fundo todos os lados da questão. Para escrever esse texto, temos apenas a página de Isadora no facebook, matérias na mídia que não entrevistam a diretoria da escola e nem os professores e, a opinião de alguns colegas professores de adolescentes, que compreendem o quanto um professor pode se sentir acuado ao ter seu nome exposto na internet negativamente. Porém, a nossa luta é sempre por diálogo e construção.

Os problemas apresentados por Isadora em sua página na internet são até bem simples: maçanetas quebradas, quadras de esporte que não foram pintadas, merenda repetida. Os problemas pedagógicos e educacionais são bem mais amplos do que a manutenção escolar, que deveria ser regular. Porém, essa é a principal visão de Isadora no momento. Ela enxerga a escola como consumidora e cabe aos adultos que convivem com ela ir além dessa visão. Usar a página do facebook justamente para promover o debate coletivo. Infelizmente, o que estamos vendo é a disseminação de um sentimento de ódio que para quem está fora parece incompreensível.

Diante disso, queremos deixar claro o seguinte: esse texto não é para endossar completamente as postagens de Isadora Faber. Certamente ela escreveu algumas bobagens, expôs pessoas de forma nem sempre respeitosa como aliás, é de se esperar de uma menina de 13 anos. Alguns erros ela até assumiu publicamente — exageros que ela cometeu. Algumas opiniões que ela manifesta são radicalmente contrárias do que nós pensamos — consideramos pouco embasadas. E avaliamos que isso tudo é muito normal.

Isadora não é uma heroína que luta bravamente contra a escola opressiva, um local em que muitas vezes o diálogo é difícil e demorado. Sua solução é individualista, até mesmo sem pensar nas outras pessoas envolvidas que estão sendo expostas publicamente, fora que na internet tudo é amplificado. Porém, Isadora está usando as ferramentas que dispõe para contribuir na questão do debate escolar. Aparentemente a equipe gestora da escola e também os pais de Isadora tem falhado em estabelecer uma comunicação para discutir a página de Isadora, o que só colabora para que aumente a hostilidade dos colegas e professores.

A questão é que Isadora Faber está exercendo a liberdade de expressão. E isso incomoda. A liberdade dela incomoda. E mexe com toda a estrutura patriarcal que está na escola. E as pessoas mal se dão conta disso. E quando dizemos que os professores não estão preparados para lidar com mídias sociais, deveríamos explicar melhor: não só eles, mas a maioria dos adultos não está preparada para lidar com adolescentes exercendo uma liberdade dentro de um contexto social tão recente quanto o das redes sociais. Porque essa é a tendência da atual geração, as crianças e adolescentes vão aprender a exercer liberdade, e isso é tenso. Envolve responsabilidade, envolve assumir as conseqüências do que se expõe, envolve risco, ganhos, perdas. E de repente elas vão esfregar na cara dos professores que eles, tanto quanto elas, também têm essa liberdade de expressão — só que nem sempre eles fazem o uso delas. Voltemos ao primeiro parágrafo: se expor para quê? Opinar para ser contestado? Correr risco para quê, mesmo?

O que a gente deve esperar dos gestores escolares, dos professores e toda comunidade envolvida não é que eles tomem as cordas das crianças e adolescentes. Eles precisam ensiná-las a usarem essa corda da liberdade, sem que elas se enforquem. Isadora Faber já começou certo, escreve o que escreve e assina seu nome. Não recorreu ao lugar covarde do anonimato, do texto apócrifo. Ela vem respondendo por sua liberdade. Resta saber como é que sua escola e sua comunidade vão lidar com isso — e como é que a sociedade vai lidar com isso daqui pra frente.