Anorexia nervosa

Texto de Aline XD.

É impossível agradar todo mundo e praticamente impossível não tentar.

Seja pela aparência, sociabilidade, desempenho acadêmico, talento. O importante é ser feliz e não seguir os padrões. Eu geralmente não consigo, mas esse nível de exigência é cruel e pode ser fatal.

A anorexia nervosa é uma disfunção alimentar que consiste em uma dieta de restrição alimentar. Não existe somente um tipo de anorexia, nem um só motivo, mas geralmente essa disfunção alimentar está associada a baixa auto-estima e perfeccionismo. Achar que a pessoa anoréxica é um indivíduo fútil e superficialista é um julgamento errado, preconceituoso que só prejudica que sofre desse problema.

Bom, menos blablablá e mais história.

Olá, meu nome é Aline, sou anoréxica. Muito prazer.

Fui diagnosticada com anorexia nervosa aos 18 anos, mas acredito que desenvolvi esse problema aos 15. Sou perfeccionista, algo bastante comum entre anoréxicos.

Alguém pode se perguntar o porquê de eu ter demorado tanto a procurar tratamento, mas a verdade é que não procurei, fui forçada pelos meus pais, pois, ao contrário de mim mesma, eles priorizavam a minha saúde. E só concordei em admitir ajuda para não perder minhas atividades.

Sempre fui excelente aluna, bolsista desde os 4 anos de idade e pulei, por aconselhamento pedagógico, o primeiro ano da pré-escola, sendo a aluna mais nova da turma. Daí nada mais natural que as pessoas ao meu redor esperassem de mim grandes realizações. Eu queria superar todas as expectativas, sempre, a qualquer custo.

Vocês sabem, tímida, de óculos, que sentava na primeira carteira e de quem só se aproximavam para pedir algum favor. Lembro que quando terminei o ensino fundamental queria mudar para outro colégio (famoso por suas aprovações em vestibulares concorridos) mas, mesmo assim fiz uma daquelas provas de bolsa no colégio que estudava. Consegui a melhor nota do concurso e fui chamada à diretoria. A diretora da escola disse que acreditava no meu potencial e que eu levaria o nome da escola (o colégio particular que estudava é pequeno) e que ela faria o que fosse possível para que eu continuasse ali.

Acontece que acabei mudando para a outra escola, pois sempre quis estudar na USP e acreditava que o novo colégio facilitaria isso.

Nessa época eu estava um pouquinho acima do peso ideal para uma bailarina, então comecei a fazer dietas das mais absurdas, como beber vinagre diluído entre as refeições para perder gordura, mas nada adiantava.

Durante o segundo ano comecei a fazer colégio técnico a noite, além do colégio normal de manhã, do ballet, das aulas especiais para olimpíada de matemática e do inglês, começo do problema.

Prestei o vestibular da FUVEST como treineira e por ter conseguido um bom desempenho ganhei o direito de fazer aulas de programação avançada, além das aulas extras de redação e aulas sobre as leituras obrigatórias.

No terceiro ano do colégio, além de todas essas atividades, eu era representante de sala no curso técnico, possuía as maiores notas tanto no curso de inglês, quanto no colégio, quanto no técnico. Não faltava a nenhuma aula, fazia yoga e estava concluindo curso técnico, ou seja, adicione um TCC a essa salada. Sem esquecer da pressão do vestibular e dos exames de ballet que prestava anualmente.

Foto de Janine no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Foto de Janine no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Tive um professor machista no curso técnico, que julgava minha provas com parcialidade, gostava de me testar na frente da sala (composta só por homens e mais velhos) e me humilhar quando eu errava. Tivemos uma discussão certa vez, consegui tempo para elaborar uma pesquisa e provar meu ponto de vista, que ele nem se deu o trabalho de olhar e longe dos outros alunos admitiu que eu “podia ter alguma razão”. Quando procurei o coordenador do curso para pedir ajuda, esse disse que o “professor era assim mesmo e não ia mudar”, e uma vez este professor me ouvia comentar que meu sonho era cursar engenharia na Escola Politécnica da USP, ele ouviu e disse que era formado lá e que não era lugar para gente como eu (o que? mulher?) e que eu nunca conseguiria.

Acontece que não passei no vestibular, mas alguém com o meu nome passou e muitas pessoas ligaram na minha casa para me parabenizar, para alguém que não admitia falhar, foi o pior momento da minha vida.

Ok, cursinho, sem largar a dança, procurei aulas de matemática e logo na entrevista já me ofereceram um emprego como monitora, aceitei. Na metade do ano eu passava mal quase diariamente e já estava raquítica, mas eu não ligava, o importante era passar no vestibular.

Dormindo 5 horas por dia e tendo atividades curriculares 6 dias por semana, dividindo os domingos entre cuidar das atividades atrasadas, ficar com a família, namorado, amigos, enfim, tentar agradar todo mundo o tempo todo.

Sempre que tinha algum tempo eu preferia dormir a comer, então comecei a perder muito peso. Em 1 ano meu IMC foi de 18 pra 16, e eu achava ótimo, mais magra, mais bonita (doce ilusão), melhor desempenho no ballet (mais ilusões) e a gente sempre pode emagrecer um pouquinho, né?

Aí eu percebi que tinha um problema, sentia frio o tempo todo, dores de estômago absurdas, não conseguia andar um quarteirão sem ficar exausta. Passei mal várias vezes no ballet, tive que abandonar o emprego de monitora.

Nesse ponto eu não conseguia comer, nem sentir o cheiro da comida, nem ficar perto de ninguém que estivesse comendo. Era incapaz de conviver com as pessoas, tinha humor variável, fora de casa extremamente eufórica e extrovertida, em casa dormia mais de 12h por dia e ficava sem conversar com ninguém por horas.

Tinha abolido a comida da minha vida, só comia quando estava prestes a desmaiar, sempre dizia que já havia comido, usava camadas de roupa e sempre tinha uma desculpa para não comer com as pessoas.

Passava meses sem menstruar e adivinha: ótimo, algo a menos pra me preocupar.

Uma vez desmaiei na rua por tomar metade da dose de um desses remédios comuns pra cólica e fiquei horas no pronto-socorro, tomando litros de soro. Sentia dores de estômago tão fortes que ficava em posição fetal por horas, só tomava água e chá.

No dia do vestibular da FUVEST passei mal novamente e fui praticamente carregada para a prova, pois não admitia não fazê-la, faltou 1 ponto para atingir a nota de corte.

Fui convocada para a segunda fase do vestibular da UNICAMP e no último dia da prova, por um desentendimento em casa chutei uma porta e rasguei uma parte de um osso, fato que só descobri depois de fazer a prova.

Passei em uma faculdade federal e por não aguentar mais fazer vestibular, me sentir culpada por meus pais continuarem pagando minha escola, frustrada comigo mesmo, com vergonha da minha incompetência, comecei a faculdade.

Tive depressão, síndrome do pânico e em um acesso de raiva rasguei todo o material do cursinho. Perdi o controle, acabei rasgando várias revistas de uma coleção, estava com as mãos machucadas e não conseguia parar, chorava sem parar e meus pais tiveram que me tirar da pilha de papel à força, foi quando pensaram em internação.

Fiquei desesperada e assumi uma postura mais controlada diante deles, mas chorava diariamente quando todos iam dormir.

Devido à minha obsessão perdi contato com muitos amigos, me sentia muito sozinha e cada vez mais obcecada. Com ajuda de terapia larguei a faculdade, terminei um relacionamento nada saudável, num primeiro momento desisti de conseguir a vaga na universidade que tanto queria.

Mudei de escola de dança, fiz novos amigos, curti muito, viajei, finalmente voltei a fazer aulas de matemática e admiti que nunca conseguiria desistir de um sonho. Voltei a fazer aulas de matemática, prestei o vestibular novamente, sem estudar, só para me situar.

Criei coragem, voltei para o cursinho, me dediquei com vontade, nunca mais tive dores de estômago, nem surtos, ia almoçar com meus novos amigos diariamente.

Hoje tenho orgulho de dizer, superei a anorexia nervosa e consegui realizar meu sonho, acabei de ingressar na Escola Politécnica da USP.