Texto de Renata Correa.
Uma cantora famosa e sorridente usa um vestido branco e segura um lindo bebê ao seio. No fundo, um prado verdejante onde outras mulheres placidamente também amamentam seus bebês. Suas roupas estão impecáveis, seus cabelos escovados e o clima geral é pacífico e onírico. O informe publicitário do governo informa que o leite materno é o melhor alimento para o seu bebê e que até os seis meses o aleitamento ao peito da mãe deve ser exclusivo, sem leites artificiais, água, chás ou introdução de alimentos sólidos e que a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda aleitamento ao peito até os dois anos ou mais como complementação a alimentação.
O leite materno é rico em nutrientes e anticorpos, previne a morte dos bebês no primeiro ano de vida, e é a maneira mais fácil, rápida e barata de alimentar um recém-nascido. Campanhas como as descritas acima estão espalhadas em postos de saúde, revistas, jornais e outdoors. Se amamentar é o ideal a se fazer, se o governo e organizações internacionais de saúde apoiam e esse ato é simples e natural, porque pesquisas recentes mostram que 44% das mulheres que desejam amamentar “falham” nessa vontade?
Primeiro é preciso problematizar a questão da “falha”. A mesma pesquisa aponta que a falta de apoio familiar e de profissionais de saúde capacitados para orientar as mães na primeira hora de vida do bebê são fatores que influenciam o estabelecer do aleitamento materno e a introdução precoce de leites artificiais. Se uma mulher que deseja amamentar não consegue aleitar seu filho não é a mulher como indivíduo que falha. Nem seu corpo, afinal não existe leite fraco, nem pouco leite. Falhamos todxs, coletivamente, como sociedade.
É cruel por exemplo que o Ministério da Saúde recomende o aleitamento exclusivo até os seis meses, mas a lei trabalhista conceda à mulher apenas quatro meses de licença maternidade. Duas políticas públicas conflitantes quando pensamos na saúde da mãe e do lactente.
A organização Save The Children elencou as quatro principais barreiras da amamentação:
comunidade e pressões culturais, escassez de profissionais da saúde, falta de legislação nas maternidades e fabricantes de substitutos do leite e suas poderosas máquinas de marketing.
Como podemos perceber, nenhum desses fatores é físico, biológico ou comportamental da mulher.

A amamentação real e a amamentação idealizada
A primeira hora de um bebê é determinante para o sucesso da amamentação. Porém, tanto a rede pública quanto a privada possuem protocolos hospitalares que distanciam a mãe do recém-nascido em berçários para observação assim que o bebê nasce, interrompendo um frágil vínculo e o estabelecer de movimentos biológicos e hormonais sutis que fazem “descer” o colostro e o leite.
Também é praxe a administração de leite artificial e soro glicosado em bebês saudáveis, que não precisariam desses procedimentos, causando um efeito cascata de “problemas de amamentação” ou de bebês que “não se interessam pelo seio”. Procedimentos que além de não terem comprovação científica de benefício ferindo os preceitos da Bioética, criam uma cultura de que aleitar é complicado, difícil ou mesmo impossível.
Sim, existem problemas de amamentação: alguns bebês nascem sem o reflexo de sucção; alguns bebês têm a “pega” errada que machuca o seio; em algumas mulheres o leite pode demorar três ou quatro dias para descer — mas com suporte e intervenção precoce essas dificuldades são facilmente ultrapassadas. Para mulheres que têm essas dificuldades muitas vezes o “começar” a amamentar é bem doloroso e sofrido quando não se possui suporte adequado e informação que deveria começar a ser dada no pré-natal. Aleite Seu Filho!, dizem as campanhas, mas quando o suporte não vem a solução muitas vezes é aceitar conselhos familiares ou de profissionais pouco preparados e introduzir o leite artificial.
Temos então um ciclo vicioso: uma pressão para que a amamentação se estabeleça, mas uma situação de não suporte e culpabilização da mulher e um contexto geral de profissionais de saúde e sociedade minando a confiança da mãe no seu corpo e na sua capacidade de aleitar.
Uma mulher que não consegue amamentar não expõe a sua suposta “não capacidade”. Na verdade, ela denuncia de forma dolorosa a frágil estrutura que a sociedade oferece para que mães e mulheres façam valer suas vontades e suas escolhas a respeito da criação e nutrição dos seus filhos.
Aleitar: um direito de todxs
É importante ressaltar que o aleitamento é considerado pela OMS um alimento psico-afetivo, ou seja, ele influencia no desenvolvimento psicológico dos bebês e além de nutrir fisicamente, nutre emocionalmente. E ao contrário do que pensa o senso comum, não são apenas as mães biológicas que podem amamentar os filhos no peito.
É comum ouvir relatos de mães adotivas que começam a produzir leite ao entrar em contato íntimo com o bebê e a Leache League cada vez mais tem orientado mães e pais LGBT que gostariam de oferecer aos seus bebês adotados ou inseminados o prazer da amamentação.
Existem técnicas como a translactação (uma pequena sonda que leva leite ordenhado ou artificial até o bico do peito) que permitem o contato e o calor necessários entre cuidadxr e bebê. Como a sucção do bebê é o fator mais importante para a produção dos hormônios de descida do leite, muitos desses casos terminam com o aleitamento natural acontecendo, mesmo sem vínculo de sangue, mas com um poderoso vínculo amoroso.
Duvida?
Conheça o casal Paula e Mariana, mães dos gêmeos Mia e Gael: http://vimeo.com/40486889
Caso você tenha problemas de amamentação procure o banco de leite mais próximo na sua cidade, por meio da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano.
Em São Paulo, a Matrice faz um excelente trabalho de apoio e consultoria. Para contactá-las entre no grupo: Materna/Matrice. As reuniões presenciais são gratuitas e acontecem todas às sextas, a partir de 13:30h na Rua Simão Álvares, 950 – Pinheiros.
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Renata Correa é mãe da Liz de oito meses e escreve sobre maternidade no blog Lista dos 9.
O FemMaterna é um grupo de discussão sobre maternidade com uma proposta feminista. Se quiser participar, basta pedir solicitação na página do grupo. Participe também no facebook.