Texto de Tracie Egan Morrissey. Tradução de Deh Capella, com colaboração de Lê Howes.
Originalmente publicado com o título: There Is No Such Thing as a ‘Pro-Life Feminist’, no site americano Jezebel.com
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Apesar das declarações dos grupos políticos conservadores pró-vida como o Feminists for Life e o Susan B. Anthony List e do uso repetido da palavra começada com “F” por Sarah Palin, não existe na verdade esse negócio de “feminista pró-vida”. Claro, você pode ser feminista e tomar a decisão pessoal de jamais abortar. Mas quem raios é você para trabalhar ativamente pela exclusão do direito das outras mulheres de escolherem o que fazer com seus próprios úteros?
Você certamente não é feminista.
Nesta semana (edição de 14 de janeiro) a reportagem de capa da revista Time resume todas as pequenas batalhas perdidas pelos ativistas a favor do direito ao aborto desde sua vitória no caso Roe versus Wade, 40 anos atrás. As 92 disposições regulando o aborto – um recorde – foram aprovadas em 24 Estados depois que os Republicanos obtiveram a maioria no Legislativo norte-americano, em 2010 – o que não nos surpreende, já que regularmente lidamos com essas notícias deprimentes. Mas o que talvez seja mais intrigante – para feministas habituadas à luta interminável pelos direitos reprodutivos – na reportagem da Time seja a publicação de um texto intitulado “Pró-vida e feminismo não são mutuamente excludentes”, escrito por Emily Buchanan, a diretora-executiva do Susan B. Anthony List, “uma organização que trabalha para eleger candidatos pró-vida”. Porque apesar de pessoas como Buchanan insistirem na existência de um “feminismo pró-vida”, a lógica por trás disso é, na melhor das hipóteses, tortuosa.
Essa foi, então, a tentativa de Buchanan, com sua ideia principal, de explicar na “mídia baixa” (“lamestream media”) como legislar sobre o sistema reprodutor feminino, anulando a autonomia corporal das mulheres e restringindo seu acesso à contracepção de baixo custo e ao tratamento ginecológico, poderia ser considerado pró-mulher. E ela não conseguiu fazê-lo de forma convincente.
O maior argumento de grupos como o Susan B. Anthony List é o uso de nomes e de citações de sufragistas dos séculos XIX e XX para respaldar seu ponto de vista. Buchanan escreve:
Desde o início, o feminismo foi um movimento de mulheres jovens. Susan B. Anthony, Elizabeth Cady Stanton, Alice Paul, Charlotte Lozier e muitas outras começaram seu trabalho como sufragistas na casa dos 20 anos de idade. Essas mulheres – as feministas originais – entendiam que os direitos das mulheres não poderiam ser construídos às custas de crianças não nascidas. Anthony chamou o aborto de ‘assassinato de crianças’. Paul, autora da Emenda da Igualdade de Direitos escrita originalmente em 1923, disse que ‘o aborto é a exploração definitiva da mulher’.
Enquanto as “feministas originais” foram certamente mulheres corajosas e admiráveis, é absolutamente estúpido considerar sua visão sobre o aborto como um aspecto essencial do feminismo. Já imaginou se simplesmente adotássemos cegamente todas as crenças e ações dos grandes pensadores que viveram nos anos 1800? Thomas Jefferson – o homem que literalmente definiu o conceito de liberdade dos norte-americanos e que declarou que “todos os homens nascem iguais” – não só era proprietário de muitos escravos e compactuava com seu comércio, mas também escravizou seus próprios filhos, nascidos da escrava que foi sua amante e que era meio-irmã de sua esposa. Isso é doentio e nunca deveria ser alardeado como exemplo de igualdade.
Ainda, o raciocínio por trás do “feminismo pró-vida” é de que “vale a pena repetir a História”. Não é por isso mesmo que se estuda História, para “não se repetirem os erros do passado”?
Além disso, todo seu esforço em se autodefinirem como “feministas pró-vida” não parece estar focado na luta feminista como um todo, em questões como a diferença de salários ou as diferenças de padrões de comportamento. Em vez disso, essas pessoas destinam sua energia para conseguir a eleição de políticos pró-vida e mascaram suas tentativas de tirar o direito de escolha das mulheres com bobagens distorcidas (mulheres deveriam “se recusar a escolher” entre “ter um futuro e ter um filho”) que elas chamam de feminismo.
Vejam, mulheres têm discutido sobre o significado do feminismo desde seu início. Temos ideias diferentes sobre o que funciona e não, e sobre o que é importante e o que não é, e o movimento certamente não é monolítico, homogêneo. Mas o feminismo é um movimento. E a natureza de um movimento progressivo é seguir adiante, evoluir. Não dá para fazer isso retrocedendo, involuindo, prendendo-se ao passado.
Então, sim, “feminismo pró-vida” não engana ninguém – particularmente as feministas.