Entrevista: Jeanne Holm, arquiteta chefe de sistema da NASA

Texto de Danielle Pereira, Nessa Guedes e Yaso.

No nosso imaginário, a NASA não passava de uma instituição superestimada por Hollywood. Já o governo dos Estados Unidos, algo que deveria ser combatido.

No final do ano passado, durante uma conferência promovida pelo W3C Brasil, tive o privilégio de conhecer uma personificação do que há de bom nessas duas instituições e quebrar um pouco do meu preconceito. Jeanne Holm é entusiasta da abertura de dados governamentais como forma de empoderar cidadãos; foi responsável, só para citar um exemplo, por promover a abertura de dados de missões espaciais da famosa agência.

Arquiteta Chefe de Sistema do Jet Propulsion Laboratory da NASA, “evangelizadora” de dados abertos e mãe de 3 filhos, Jeanne Holm nos encantou por sua simplicidade, paixão pelo trabalho, sensatez e amável atenção. Tivemos o privilégio de entrevistar, conversar, escutar sua palestra e trocar figurinhas numa mesa de bar. Falo por mim: todo esse intercâmbio me contagiou e a questão da abertura de dados me seduziu.

Mas, nessa entrevista que fizemos exclusivamente para as Blogueiras Feministas, buscamos saber mais sobre a relação da Jeanne com sua profissão, sua família e sociedade.

Jeanne Holm no Open Goverment Data Camp. Foto de Sebastiaan Ter Burg no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Jeanne Holm no Open Goverment Data Camp. Foto de Sebastiaan Ter Burg no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

1. Você pode nos contar um pouco sobre seu trabalho de abertura de dados junto ao governo dos Estados Unidos?

Claro, é um prazer. O trabalho que fazemos no governo dos Estados Unidos no que se refere à dados abertos está focado em como o governo pode fornecer mais dados, informações e serviços aos cidadão para que eles possam tomar melhores decisões a cada dia. Nós o fazemos através da abertura de dados de 180 agências que participam com mais de 400.000 conjuntos de dados [data sets] até o momento. Mas o ponto mais interessante é quando desenvolvedores colocam suas mãos nesses dados e fazem aplicações, websites, ou jornalistas fazem análises que ajudam as pessoas a compreender o real significado daqueles dados.

2. Porque você escolheu uma carreira na área de tecnologia?

Oh, uau! Isso vai te dizer o quão velha eu sou… (risos). Eu tenho dupla graduação em ciências e inglês. E eu fui trabalhar para a NASA quando era uma estudante na UCLA porque eu queria escrever sobre ciências. Daí eu acabei no Departamento de Publicações lá. Isso era numa época em que não existia a internet. Então isso mostra o quanto estou velha -Meus filhos não acreditam que exista um tempo anterior à internet (risos) -. Com o advento da internet, nós publicamos um dos primeiros sites da NASA. E foi muito interessante perceber as diferentes formas de comunicação, desde a tradicional publicação impressa, passando pela mídia visual, até agora, com toda essa ideia de possibilidades online. E eu fiquei completamente encantada por essa nova tecnologia. Daí eu voltei para a escola para conseguir um título de mestre e doutora em Management Information System. Foi aí que eu me interessei ainda mais por esse incrível meio de conectar e colaborar, em vez de simplesmente entregar um livro a alguém.

3. Como é, para você, ser mulher, mãe e profissional dentro de uma organização científica?

Ser mulher na área da tecnologia é um desafio interessante. Em parte porque há expectativas. Em diferentes culturas há diferentes expectativas, mas nos Estados Unidos, como mãe, como esposa, meu trabalho é primariamente ficar em casa, mas eu também tenho uma carreira. Eu tenho um marido maravilhoso e filhos incríveis. E eles me apoiam bastante nas escolhas que faço. E eu tento garantir que em cada uma das minhas escolhas profissionais eu procure minha família e converse sobre elas. Há sempre um impacto na vida de uma mãe trabalhadora e da esposa trabalhadora. E acho imprescindível falar sempre de forma clara e aberta com todos sobre os prós e contras das escolhas profissionais. Agora eu tenho minha família em Los Angeles, mas eu trabalho em Washington D.C. São 3 mil quilômetros de distância. E minha família me deu todo o apoio para que eu aceitasse essa nova oportunidade. Mas, ao mesmo tempo, como uma mulher na NASA e uma mulher na área de tecnologia, se torna um desafio tentar ser você mesma (no meu caso, ser uma pessoa cooperativa e colaboradora) e ser durona. No ambiente da tecnologia, homens e mulheres se comportam de maneiras bem distintas, mas de forma bem profissional. Eu fui abençoada por trabalhar com a Casa Branca, com o U.S General Services Administration, e com a NASA, que enxergam a mulher de igual para igual. Eu não sofri muita discriminação. Mas, ao mesmo tempo, percebo uma tendência a esperar que todas as mulheres da área tecnológica eduquem a todos. E nós todos estamos em patamar de igualdade. E acho importante que as pessoas consigam equilibrar essas duas questões. Atualmente existem muitos trabalhos no governo dos Estados Unidos que são teleworking, que permitem que as pessoas trabalhem de casa um ou dois dias por semana, e há muita flexibilidade. E acredito que isso trouxe muitas oportunidades, para mulheres em particular, de “pegar” mais responsabilidade no trabalho, estando em casa quando seus filhos chegam, estando lá quando seus filhos precisam dela. E acho que é nossa responsabilidade diária ser profissional e pessoal ao mesmo tempo, mostrar que podemos equilibrar essas coisas enquanto você tem expectativas profissionais.

4. Você poderia nos dar uma ideia de como é ser uma mãe de família, uma esposa e uma profissional de sucesso nos Estados Unidos?

Não acho que eu possa falar genericamente em nome de todas as mulheres dos Estados Unidos, porque temos diferenças regionais acentuadas, como vocês também têm aqui no Brasil… novamente, eu tenho uma família maravilhosa e um marido incrível e acho que isso é imprescindível. É muito importante estar numa família que valorize as suas contribuições a sua carreira e profissão. E eu acredito que você deva priorizar as escolhas que farão a diferença em seus papéis pessoais. E em alguns momentos você precisa abrir mão de algumas oportunidades porque você precisa priorizar a família. Quando meus filhos receberam um prêmio na escola, eu não pude ir porque tinha uma reunião importante de negócios; enquanto estou aqui no Brasil, não posso assistir à apresentação do meu filho numa peça… temos que fazer escolhas diariamente e acho que é importante compreendermos, dentro da perspectiva da sua família, o que eles julgam ser importante. Em algum momento eu posso decidir ajudá-los no trabalho de casa e perceber que aquilo não era importante para eles. Então eu acho válido fazer escolhas profissionais que sejam relevantes, em vez de escolher qualquer oportunidade que te aparece à porta. Porque algumas oportunidades podem não valer o sacrifício pessoal.

5. Em toda sua trajetória, você já sofreu algum tipo de discriminação de gênero?

Não me sinto confortável falando sobre isso publicamente. Mas posso dizer o seguinte… discriminação pode ocorrer em qualquer local, seja no trabalho, na rua… e eu gostaria de encorajar as mulheres que se sentem pressionadas a fazerem o que elas acham que é o certo, e a buscar ajuda e apoio profissionais. Com frequencia, mulheres se culpam, acreditam serem culpadas, acreditam que vestiram uma roupa inapropriada, que foram muito gentis, muito solícitas, ou que a única forma de receberem uma promoção era fazer o que lhes foi pedido. E, nesses casos, se você sente que isso não é o certo, ou se isso vai contra as boas práticas da organização (graças a Deus essas regras estão mais comuns), você nunca deveria se forçar a fazer algo, deveria alertar um superior, além de buscar apoio. Não sei aqui no Brasil, mas nos Estados Unidos temos vários tipos de grupos de apoio. Mas, de maneira alguma, as mulheres deveriam sentir-se culpadas por desvios de conduta alheios. Porque é horrível quando algo assim ocorre. E é horrível ver isso acontecendo com alguma pessoa a sua volta.

6. Você se sente inspirada pelo trabalho de alguma mulher?

Há muitas mulheres incríveis na área de tecnologia… Beth Noveck. Ela tem sido bastante inspiradora. Certamente Hillary Clinton inspira muitas mulheres nos Estados Unidos, como alguém que conseguiu ser uma mãe zelosa, boa esposa e, ao mesmo tempo, fazer coisas incríveis no campo profissional, sendo sempre leal a ela mesma. Acho que há muitas jovens mulheres impressionantes nessa área: Hadley Beeman é incrível e tem se esforçado bastante para reunir ideias para abertura de dados, além de ser uma grande defensora das atividades do governo da Grã-Bretanha dentro do novo instituto governamental de Dados Abertos. Acredito que a inspiração venha de vários países e de áreas distintas.

7. Que conselho você daria para mulheres envolvidas nas áreas de ciências e tecnologia?

O mais importante é encontrar algo com que você realmente se importe na sua área de atuação. Pode ser HTML5, software livre, pode ser algo na linha de abertura de informações nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, ou fazendo a diferença na diplomacia governamental, na democracia… qualquer que seja sua paixão, esse deveria ser seu foco. Mesmo que isso signifique criar seu próprio trabalho. Às vezes, sua organização não tem o cargo que você gostaria de excercer, mas, se as organizações virem essa paixão em você e virem que você é esforçada, podem te oferecer essa oportunidade ou te permitir criar essa oportunidade. Sem ofensa aos homens, mas as mulheres trazem uma forma especial de leveza e compaixão, às vezes na forma como abordam uma questão, e isso pode torná-las promotoras de mudanças que elas desejam empreender. Então, encontre sua paixão, e trabalhe arduamente para fazer disso seu trabalho.

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[+] Entrevista de domingo: Jeanne Holm, arquiteta da informação da Nasa.