Texto original de Jessica Winter. Tradução de Iara Paiva
Publicado originalmente em 28 de junho com o título “What if your mother had aborted you?” no site americano Slate.com
Nota da tradutora: na semana passada a senadora Wendy Davis foi notícia ao discursar durante 13 horas para impedir a aprovação de uma legislação mais rigorosa sobre o aborto no Texas. O texto se refere à reação do Governador do Texas a este evento.
_______
O governador do Texas Rick Perry é um homem direto, mas na quinta-feira, ele se meteu em um debate existencial atemporal. Em sua fala na Conferência Nacional do Direito à Vida, Perry ressaltou que a senadora estadual Wendy Davis – que obstrui a aprovação de uma lei mais rígida de aborto discursando por 13 horas nesta terça-feira no Capitólio do Texas – nasceu de uma mãe solteira e tornou-se ela mesma uma mãe adolescente, e ainda superou as “circunstâncias difíceis” para frequentar a Escola de Direito de Harvard Law School e entrar para a política. “É apenas lamentável”, disse Perry à sua base, “que ela não aprendeu com seu próprio exemplo que deve ser dada a toda a vida a chance de realizar seu pleno potencial e que cada vida importa.”
“Cada vida importa” pode ser analisado em outros lugares como um sentimento unânime, mas na Conferência Nacional do Direito à Vida, você pode ter certeza de que a vida é definida como um zigoto, embrião, feto ou concedida plena personalidade. O que significa que Perry está usando uma espécie de propriedade transitiva: Wendy Davis foi uma vez um zigoto, e Wendy Davis é importante e, portanto, todos os zigotos são importantes.
No coração desta retórica esta a pergunta xeque-mate que pessoas que se opõem ao direito ao aborto costumam perguntar de seus oponentes pró-aborto: “E se a sua mãe tivesse te abortado?”

Esta é uma pergunta fantástica! “E se sua mãe tivesse te abortado?” (ESSMTTA) tem os ingredientes de um Efeito Borboleta próprio do movimento pró-vida, ou alguma paródia mórbida de “De Volta para o Futuro” em que o viajante do tempo Marty McFly comete suicídio apresentando a Lorraine sua amigável abortista local. ESSMTTA é uma armadilha clara, e o gatilho é “você”: Para responder à pergunta, os pró-escolha-se correm o risco de se enrolar em nós semânticos ao analisar o significado de “você” ou “mim” ou “Eu”, quando, na verdade, nos referimos a um ex-blastocisto. (Frances Kissling, ex-diretora das Católicas pelo Direito de Decidir, escreveu sobre como responder à anti-escolhas empunhando ESSMTTA : “eu aponto que o ‘Eu’ que está diante deles não é o ‘Eu’ que já foi um feto. “)
ESSMTTA é também a plataforma de lançamento para inúmeros argumentos filosóficos. O filósofo reducionista Derek Parfit – autor do livro apropriadamente intitulado “Sobre o que Importa” – escreve que não se pode prejudicar alguém por não levá-lo a existir. (o blastocisto lendo Parfit no útero pode concluir: “se minha mãe não me abortar, eu importo, mas se ela me abortar, eu não importo, porque não existe ‘eu’ para importar”). Elizabeth Harman de Princeton afirma que “os fetos em estágio inicial” podem ter diferentes estados morais com base no que ela chama de princípio futuros reais. (O blastocisto lendo Harman pode concluir: “se minha mãe não me abortou, ela me concede um futuro real em que importo, portanto, importo agora. Se minha mãe me abortou, não importo no futuro e, portanto, não importo agora. “). Então há Eric T. Olson, que intitulou um artigo seu como “Eu nunca fui um feto? ” e respondeu “Não”, por causa da falta do feto de continuidade psicológica com a pessoa futura conhecida como Eric T. Olson. (O blastocisto lendo Olson deve aceitar que, aborto ou não aborto, a psicologia deve em breve extinguir sua existência.)
“Eu” poderia continuar. Curiosamente, uma grande quantidade de argumentos filosóficos em favor do direito ao aborto têm algo em comum com a retórica anti-aborto: uma visão focada sobre os interesses imaginados e os direitos (ou a falta deles) de uma entidade fascinantemente ambígua, em vez dos interesses reais e direitos de uma mulher real inequívoca. ESSMTTA é um brilhante salto tático porque ele acelera o passado para a ausência de ambigüidade de uma criança real inequívoca, então nos desafia a imaginar essa criança friamente assassinada, como a nossa mãe se transformasse em Bruce Willis no filme Assassinos do Futuro ou algo desse tipo.
Uma vez feito esse salto, não estamos mais lidando com incompreensíveis dilemas filosóficos, mas tratando de anedotas, e os pró-vida terão sempre histórias melhores do que os pró-escolha. Pró-vida terão histórias legitimamente animadoras e inspiradoras sobre ,como Perry disse, “crianças nascidas na pior das circunstâncias [que] cresceram para viver uma vida de sucesso.” Pró- escolha atacadas com ESSMTTA argumentam retroativamente contra a sua própria existência .
Mas, enquanto os Rick Perrys do nosso cenário político estão felizes trollando heróis feministas como Wendy Davis, estou feliz em discutir retroativamente contra a minha própria existência. Meu marido também. É fácil fazer isso, porque nós dois somos extremamente não-planejados. A falecida mãe do meu marido tinha 18 anos, em uma região rural pobre e era solteira. Minha mãe tinha 39 – esta na década de 1970, quando grávida de 39 anos de idade eram raras e, pelo menos no nosso canto do Rust Belt, um pouco estranhas – com três filhos cada vez mais auto-suficientes mais velhos, com idades de 15, 11 e 9. Ela tinha dois primos de primeiro grau com síndrome de Down, então depois de alguns exames amnióticos darem errado, minha mãe sabia exatamente o que ela não sabia sobre mim. A primeira coisa que seu obstetra fez após o parto foi certificar-se de que ela viu a palma da minha mão.
Em circunstâncias diferentes, com diferentes mulheres, talvez nem meu marido nem eu estivéssemos aqui. E isso é bom, ou melhor, não estaríamos aqui pra dizer se é bom ou não. Nós dois somos fanaticamete pró-escolha, e conhecer as histórias das nossas mães – e deWendy Davis – a penas aprofunda nossas convicções, assim como pró-vida têm histórias que aprofundam as deles. Para mim, a posição pró-vida é que eu amo a minha mãe, e eu sou muito grato porque ela me teve. A posição pró-escolha é que eu amo a minha mãe, e eu sou muito grata que ela tenha tinha o direito de escolher o que era melhor para ela e sua família. Ambas as posições são respeitáveis à sua maneira. Mas apenas uma delas imagina minha mãe como mais do que a minha mãe, como uma pessoa autônoma de mim, e certamente autônoma do blastocisto que se transformou em mim.
Antes de começar a escrever este texto, eu liguei para minha mãe para pedir sua permissão. Quando estávamos desligando, ela disse: “Estou feliz por você estar aqui.” Eu estou feliz por estar aqui, também. Mas ela estava aqui primeiro.