Texto de Lindsay King-Miller. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘Stop Telling Lesbians They’re Doing It Wrong’ no site Cosmopolitam.com em 05/08/2014.
É injusto supor que todas as pessoas queer fazem sexo da mesma maneira.

Recentemente, pela primeira vez em sua história, a Cosmopolitan.com (no Brasil, a publicação similar é a Revista NOVA da Editora Abril) publicou ilustrações de posições sexuais mostrando mulher-com-mulher. A reação a esta inovação foi enorme e incluiu muitos elogios. Mas, quando se trata de posições propriamente ditas, algumas mulheres queer não se sentiram representadas.
“Eu testei as dicas de sexo para lésbicas da Cosmo e elas eram terríveis”, escreveu Samantha Allen no The Daily Beast. “A apresentação é muito superficial, tudo para chamar atenção, tendo pouca semelhança com o sexo que as lésbicas realmente fazem”. Enquanto isso, Jenny Block no The Huffington Post parecia resumir a opinião da esmagadora maioria das mulheres queer da internet quando escreveu: “As posições são todas fantasias heteronormativas do que é o sexo lésbico se pensarmos no pior lado, ou bobas quando somos otimistas”. Block ainda tirou fotos de si mesma e de seus amigos tentando fazer algumas das posições (as pessoas estavam completamente vestidas e não tocavam os genitais umas das outras, então .. é uma espécie de livre interpretação), para provar o quão ridícula é a situação.
Eu detesto ter que questionar o Consenso Lésbico Não-Oficial, mas eu tenho que imaginar que tipo de sexo queer Block, Allen e outras críticas estão fazendo, porque pelo menos 20 das 28 posições apresentadas no slideshow eu já experimentei e, cerca de 10 delas fazem parte da rotina. (Para ser justa, as posições que ainda não tentei, provavelmente não farei, em grande parte porque equilíbrio não é o meu ponto forte). Temos dedilhado, utilizado cintas penianas, fazemos o 69 — uma das posições (a “Rockin ‘Rockette”) também poderia ser descrita como: “faça sexo oral nela, enquanto ela está deitada de costas”. Você está seriamente tentando me dizer que isso é algo que nenhuma lésbica que se preze jamais iria fazer? Quer dizer, eu tenho certeza que metade das lésbicas que conheço estão fazendo isso agora.
Não há nenhuma razão para supor que o que funciona para você irá funcionar da mesma maneira para todas as outras pessoas, ou que o que não funciona para você seja um universal e definitivo: “não”. Algumas lésbicas gostam de tesoura; outras acham que é digno de bocejar. Algumas apreciam suas cintas penianas; outras pensam nelas como heteronormativas e sem sentido. Algumas amam fazer fisting; outras apenas dizem: ai, ai, ai, não, não hoje à noite. Algumas lésbicas (contra quem Jenny Block protestava no passado) não gostam de sexo oral. Diferentes lésbicas gostam de fazer sexo de maneiras diferentes — como isso é surpreendente, não é mesmo?
Estou cansada de ver mulheres queer criticando umas as outras na pressa de ser a primeira a declarar o Único e Verdadeiro Caminho para alcançar o sexo lésbico. Talvez, isso seja uma atitude defensiva instintiva ao ver nossa amada subcultura recebendo atenção dos canais de mídia tradicionais ou, apenas ressentimento porque suas posições favoritas não foram incluídas (algumas das minhas também não entraram, talvez façam uma sequência), mas continuar insistindo que lésbicas só podem ter relações sexuais de uma forma não é apenas algo equivocado, mas também contraproducente. Eu não posso deixar de imaginar que há uma jovem lésbica lá fora, que está começando a explorar sua orientação sexual, que viu essa matéria no site Cosmopolitan.com em destaque e ficou muito animada para testar essas posições lésbicas — então, de repente ela é interrompida por um coro de comentadores on-line dizendo: “Não é assim que você deveria fazer isso!”. As pessoas gays já estão sujeitas a um intenso escrutínio por parte da cultura homofóbica, ansiosa para determinar qualquer desvio da norma como prova de que somos disfuncionais e indignos. Será que realmente precisamos começar a policiar a vida sexual uns dos outros também?
Também é ruim presumir, como muitas das críticas fazem, que o slideshow da Cosmopolitan.com foi concebido e criado inteiramente por mulheres heterossexuais. Não há autoria declarada na matéria, mas uma editora disse que “as posições surgiram em uma sessão de brainstorming com a participação de funcionárias, colaboradoras e amigas lésbicas e bissexuais”. Supor que nenhuma lésbica poderia imaginar, muito menos apreciar, uma posição sexual que não te excita — e, então usar esse pressuposto para invisibilizar as contribuições de mulheres queer reais — é uma merda e é errado.
Mesmo a crítica mais equilibrada do site After Ellen, rejeitou as mulheres nos desenhos dizendo que elas seguem um padrão de beleza heterossexual, o que acaba sendo frustrante para mim e muitas outras mulheres queer de cabelos compridos. Os corpos das mulheres são incrivelmente diversos e isso é maravilhoso. E, com certeza, teria sido bom ver diferentes tipos de corpos além das mulheres magras representadas no slideshow, mas essa crítica não se refere a magreza, ela afirma que lésbicas femininas não existem (e eu realmente acho que as ilustrações estilizadas de Jenny Yuen são muito bonitas).
Grande parte da reação parece estar enraizada no desejo de rejeitar uma representação não-realista e pornificada da sexualidade lésbica, o que é certamente compreensível. Por muito tempo, a maioria do sexo mulher-com-mulher retratado na mídia tradicional foi voltado para o espectador masculino ao invés da participante do sexo feminino, e inverter essa tendência é importante e necessária. Porém, a resposta é insistir em uma maior diversidade na maneira como o sexo queer é representado — incluindo retratar atos que não funcionam para você (vamos notar, também, que a maioria dessas posições está focada na estimulação do clitóris, o que a maioria do conteúdo mulher-com-mulher destinado ao público masculino decididamente não faz). A resposta é não atacar qualquer conteúdo lésbico que não espelha precisamente nossas próprias vidas. Eu prometo a você que a qualquer momento que você começar uma frase com: “Nenhuma lésbica jamais deveria ..”, há em algum lugar uma lésbica que faz e ela merece representação também.
Eu suspeito, e espero estar certa, de que a incursão da Cosmopolitan.com nas dicas de sexo lésbico seja o primeiro passo de uma mudança na mídia tradicional, até chegarmos no momento em que veremos a sexualidade queer sendo discutida com toda a franqueza — e sim, ocasionalmente tolices — que o sexo hétero recebeu durante anos. Há tantas formas das mulheres fazerem sexo oral umas com as outras que essas 28 posições, obviamente, não tinham intenção de serem abrangentes, mas isso não quer dizer que não sejam um bom começo.
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Esse texto faz parte da Blogagem Coletiva pelo Dia da Visibilidade Lésbica e Bissexual, convocada pelo Coletivo Audre Lorde.