Texto de Jussara Cardoso.
Ontem, de fato percebi o quanto ser, hoje, uma mulher empoderada faz diferença na minha vida e o quanto a Marcha das Vadias contribuiu para isto.
Teve uma palestra na faculdade sobre nosso sistema político, dentre os convidados estava um deputado estadual em exercício. Que, em meio a sua fala sobre o quão podre pode ser a política no país e seu desânimo/descontentamento sobre como políticos são vistos, fez uma comparação muito preconceituosa, machista e diga-se de passagem, tosca.
Disse ele algo como: “Já começa com o nome “deputado”. Olha o que tem no meio da palavra. Boa coisa não podia ser”. E repetiu a tentativa de “piada”, acredito que por não ter ouvido risos.
Fiquei putíssima. Tremia de raiva e só pensava: “Quero falar, tenho que falar”. E comecei a pensar em um monte de coisas que podia falar para fazer ele entender o quão problemático era aquilo. Pensei em de fato fazer um PUTA discurso em defesa das mulheres prostituídas. Havia outros debatedores para falar depois dele, o que deu tempo para que me acalmasse.
Não sei se havia outras pessoas que também pensaram em apontar o preconceito na fala do deputado, só sei que era preciso. Abriu o debate e prontamente levantei a mão para me inscrever. Fui a primeira.
Estava quase no fundo da sala, lugar que me sentia confortável naquele instante, porque nem todos os alunos virariam para trás para me ver e ouvir. Sim, sou uma pessoa tímida. As perguntas no microfone teriam que ser perto da mesa, então, respirei e fui. “Seja forte e mantenha a calma” —– era o que pensava.
Peguei o microfone, me apresentei e disse algo assim: “Primeiro gostaria de dizer que ser PUTA, não define caráter, não é errado, não é pecado. Assim como ser Deputado também não. Digo isto porque é importante termos cuidado em nossas falas para não serem carregadas de preconceito, ainda mais com uma minoria que já sofre muita violência em nossa sociedade”.
Fiz uma pergunta sobre o tema do debate e repassei o microfone. Ouvi o auditório em palmas assim que deixei o microfone na mesa e meio encabulada, sem entender se as palmas foram para o fato de ter apontado o preconceito ou pela pergunta. Subi de volta ao me lugar. Subi de volta ao me lugar, tetando novamente não olhar para os rostos, entretanto consegui olhar para algumas pessoas e pude ver um olhar de “ISSO”!
Um dos debatedores começa a responder a minha pergunta e a de um outro aluno. Após sua resposta, o deputado estadual pega o microfone e antes de responder pede desculpas pela fala. De fato ele disse uma abobrinha no meio da desculpas, mas em um todo reconheceu que sua fala tinha sido preconceituosa.
Algumas pessoas vieram me falar que foi muito bom o que fiz e isto junto com as palmas me fez pensar. Há dez anos atrás eu provavelmente nem me atreveria a fazer alguma pergunta em um auditório cheio de gente e ainda mais para uma mesa com debatedores homens, muito provável também, nem perceberia o preconceito da fala. Talvez até risse, concordando com o preconceito.
Há uns 3 ou 4 anos atrás é muito provável que eu perceberia e ficaria com raiva, explodindo de raiva e xingando em pensamento. Xingando muito em pensamento, diga-se de passagem.
Faz 3 anos que milito na Marcha das Vadias e já fazem 4 anos que conheço o movimento. Dentro da Marcha aprendi o que é não se calar, aprendi a não ter medo de falar. Lembro das minhas amigas/irmãs dizendo/encorajando:
– “Pega o megafone. Vai, fala”.
– “Vai, dê a entrevista pro jornal, você”.
– “Você precisa falar”… fale, fale, fale… se empodere… pois é, deu certo!

Essa insistência delas em me encorajar a ver que, sim eu posso e devo ter voz foi e é fundamental. Umas das coisas que mais admiro e defendo na Marcha como um todo é estas relações que criamos. Estas mulheres que encontramos no meio do caminho!
Ontem percebi que me sinto empoderada o suficiente pra corrigir o Papa, na frente do Vaticano inteiro, em uma cobertura ao vivo para o mundo, se fosse preciso.
Porque é preciso falar! É preciso apontarmos os preconceitos nas falas das outras pessoas. E é preciso também avaliarmos a situação antes de falar, pensar no que falar.
Tem horas que, confesso, consigo ser extremamente grosseira e juro, era a minha vontade na hora que ouvi aquilo. O que não consigo mais é ficar calada diante de situações dessas, não permito mais que o sistema machista me cale ou cale outras mulheres. Porque né, aprendi muito bem que: mexeu com uma, mexeu com todas.
Sei que não é um processo fácil. É um processo doloroso, cansativo, estressante e muito, muito chato. Porém muito, muito necessário. Precisamos ter voz. Precisamos encorajar mulheres a terem voz e não encoraja-las a ficarem em silêncio. O silêncio nos violenta e aprisiona, nossa fala nos liberta!
Dito isto, quero aproveitar o ensejo e fazer um convite aberto a todas que possam se interessar, venham fazer parte da Marcha das Vadias. Se empoderem e empoderem outras mulheres! É importante, extremamente importante incentivarmos nossas amigas, filhas, primas, mães, tias, avôs e etc a falar! Falar sempre. Ficarmos caladas nunca!
Venham se empoderar na Marcha. Prometo fazer o que fizeram comigo: “Pega o megafone e fala, vai você consegue”.
A Marcha não é um movimento que acontece uma vez só no ano, é um movimento que empodera mulheres a levarem os gritos da Marcha para todo canto. Para o nosso dia-a-dia. A cada resposta que damos, a cada NÃO que falamos, a cada vez que apontamos machismo e todo tipo de preconceito, estamos falando do que a Marcha fala.
Fica o convite, fica meu depoimento e fica meu amor e eterno agradecimento a esse movimento lindo.
Assinando,
Uma Vadia empoderada!
Autora
Jussara Cardoso é estudante de ciências políticas. Vadia de carteirinha, biscate de coração e empoderada. Esse texto foi publicado em seu perfil no Facebook em 12/11/2014.