Consciência Negra e a campanha a favor de ‘Sexo e as Negas’

Essa semana, foi iniciada nas redes sociais uma campanha com a participação de artistas negros em defesa do seriado televisivo ‘Sexo e as Negas’.

A campanha usa como palavras de ordem expressões como “não vamos deixar passar em branco” e “eu amo sexo e as negas”, dando a entender que quem faz críticas ao programa está promovendo o “ódio”. A campanha não tem como objetivo discutir a participação de negras e negros na tv, nem debater sobre os estereótipos apresentados no programa, mas sim defender o autor da série. Miguel Falabella. Nos depoimentos os artistas não citam cenas, diálogos, não citam as atrizes e atores negros da série, tudo gira em torno do quanto Miguel Falabella está sendo atacado.

Hoje, Dia da Consciência Negra, republicamos um texto de Ana Maria Gonçalves, publicado em sua página no Facebook, sobre essa questão. Porque há quem acusa o movimento negro — especialmente as mulheres negras — de fazerem um desserviço ao criticar o programa, inclusive ameaçando o emprego de diversos artistas negros. A televisão brasileira sempre foi um retrato imagético do racismo brasileiro, relegando artistas negros a papeis muito específicos. Portanto, é bem representativo ver na semana da consciência negra uma campanha para defender um autor branco.

Foto: Vanessa Aragão na página do Facebook Boicote nacional ao programa “Sexo e as Negas”.
Foto: Vanessa Aragão na página do Facebook; Boicote nacional ao programa “Sexo e as Negas”.

Texto de Ana Maria Gonçalves.

Em plena semana do dia da Consciência Negra, artistas negros foram convocados e atenderam. Imagino que cada um tenha seu motivo, mas o que consigo ver é um jogo de manipulação nada diferente do que se deu durante as discussões sobre a implantação de cotas: convoca-se negros para falarem contra negros, fazendo dos primeiros arautos de uma razão que os segundos ainda não alcançaram.

Seria interessante que convocados/as fizessem um pequeno exercício de reflexão: estariam sendo convocados/as se a polêmica não envolvesse assuntos de negros? Às suas opiniões estaria sendo dada tamanha importância se não fossem contrárias às opiniões de milhares de negros e negras que eles/elas dizem ou acham representar? Como se sentem sendo convocados para o papel de negros/as (sim, porque foram convocados somente por serem negros de destaque midiático), agindo na contramão da busca por papéis mais universais?

Triste sina, essa nossa.

Mente colonial

Recebi mensagem dizendo que a campanha “Eu amo Sexo e as Negas” não foi convocada pelo Miguel Falabella. Foi convocada por artistas que temem perder empregos com o fim da série — principalmente os/as negros/as —, com contratos não renovados, e porque dizem que vários programas com pautas negras estão caindo dentro da Rede Globo, depois da “polêmica” com a série. Por enquanto, breves comentários:

– O fato de haver poucos/as negros/as na teledramaturgia brasileira, em pouquíssimos papéis relevantes ou interessantes, é culpa da própria televisão brasileira, do racismo institucional, da dramaturgia que sempre colocou negro/as fazendo apenas papéis de negros/as. Culpar os movimentos sociais por “tirarem” os poucos que restam, mesmo não sendo os ideais, é pedir mais do mesmo.

– Por que os artistas negros que vão perder os empregos com o fim da série não brigam ou fazem campanha para terem seus talentos aproveitados em outros programas da emissora? Essa campanha eu apoiaria sem pestanejar.

– Por que os artistas negros que vão perder seus empregos com a fim da série não se unem e apresentam eles mesmos projetos que os contemplem e representem? Existe uma gama enorme de atores, atrizes, dançarinos/as, cantores/as roteiristas, diretores etc… super talentosos e capazes de falarem por si próprios, que as emissoras nunca souberam ou quiseram aproveitar. Não seria a hora de questionarem esse lugar ao qual foram relegados, em vez de fecharem os olhos para os sérios problemas de propagação de estereótipos, clichês, preconceitos e machismo apresentados pela série e ficarem implorando tutelagem e direção de Miguel Falabella? Estamos falando de um programa em uma concessão pública, que deveria servir e representar igualmente a todos. O fato de artistas negros dependerem, dentro de uma grade enorme, de um — e apenas um! — programa para poderem se sustentar, é grave. É muito grave; e nenhum deles tem coragem de tocar publicamente no assunto.

– Culpar os movimentos sociais, e principalmente as mulheres negras que se rebelaram contra a maneira que vem sendo tratadas na série, pela queda de outros programas com temática negra — quais? — é levar o pensamento à raiz do pensamento dos anti-abolição: “com o fim da escravidão, teremos vários negros sem empregos.”

Autora

Ana Maria Gonçalves é escritora. Autora do livro ‘Um Defeito de Cor’ da Editora Record. Esse texto foi publicado originalmente em duas publicações (Texto 1 e Texto 2) no seu perfil do Facebook no dia 17/11/2014.

+ Sobre o assunto:

[+] Ainda precisamos debater sobre Sexo e as Nêgas. Por Jarid Arraes no Questão de Gênero.

[+] Eu quero amor, não “Sexo e as Negas”. Por Stephanie Mendonça na Confeitaria Mag.