Sem água, como é que fica?

Texto de Vanessa Rodrigues para as Blogueiras Feministas.

“É preciso declarar estado de calamidade pública em São Paulo”.

Esta frase pode resumir o ânimo que tomou conta das pessoas que participaram de uma roda de conversa sobre a crise de abastecimento de água em São Paulo, que organizamos na Casa de Lua, semana passada. O encontro teve transmissão ao vivo e está disponível no youtube. Entre as pessoas que participaram estavam cidadãos, ativistas, técnicos e até funcionários da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Todas e todos puderam falar abertamente e compreender, com um grau de profundidade assustadora, o caos que se avizinha nos próximos meses na região metropolitana. Tentamos, também, encontrar fórmulas para agir e se adaptar a uma situação absolutamente inédita na sua gravidade.

Manifestação em frente a prefeitura de SP contra a falta de água. Foto de Paulo Pinto/Fotos Públicas.
Manifestação em frente a prefeitura de SP contra a falta de água. Foto de Paulo Pinto/Fotos Públicas.

O fato é que a água já está faltando em diversas partes da cidade, especialmente na periferia, há vários meses, até mesmo anos. Agora esta falta está se generalizando e sendo percebida de forma aguda nas regiões centrais da cidade de São Paulo. Com o inevitável racionamento, que possivelmente virá logo, existe o risco de ficarmos até 5 dias sem água para 2 com – e, mesmo assim, sem garantia de abastecimento efetivo e de qualidade.

Quem tem condições vai botar uma caixa d’água extra, captar água da chuva, furar poço, contratar carro-pipa a peso de outro, etc. Mas a grande maioria das pessoas não tem a menor condição de recorrer a estas soluções quebra-galhos. Nas periferias de São Paulo muitas casas simplesmente não têm nenhuma caixa d’água. Ou seja, quando começar o rodízio (se já não estiver acontecendo nessas áreas) não terão a quem recorrer, além de enfrentar longas filas com baldes para tentar conseguir água em algum centro de distribuição.

Esta situação calamitosa tende a agravar um estado de tensão permanente que existe em São Paulo e, acredito, afetará em forte medida as mulheres. Somos nós que cuidamos de manter os baldes cheios. São as mulheres que em muitos lares, especialmente na periferia, são as responsáveis pelo equilíbrio financeiro e psicológico da família. Com o previsível fechamento ou diminuição dos dias de aulas em escolas e creches, quem será responsável por ficar em casa e cuidar das crianças? Considerando que grande parte dessas mulheres são trabalhadoras, o que será de seus empregos quando elas começarem a faltar?

Aliás, por falar nisso, com a previsível refração econômica que virá, a perda potencial de empregos será inevitável. Recairá sobre as mulheres a pressão para manter o cotidiano de suas famílias minimamente aceitável. Sem esquecer que, numa crise, somos nós as primeiras a sofrer com demissões.

Nessa lógica, será de nós que vão se esperar também ações mais concretas de solidariedade local. Pessoalmente, acredito que isto será mesmo fundamental em um contexto no qual poderão aflorar casos de violência originados pela disputa por pontos disponíveis de distribuição de água. Será importante a construção de redes locais de apoio mútuo, por exemplo, com vizinhos fazendo rodizio de cuidado das crianças, idosos, doentes, ou esquemas de compartilhamento de água.

Aproveito pra fazer desde já um convite para pensar em formas concretas de criação destas redes de solidariedade local, que também podem ser ótimos canais de compartilhamento de informação e de mobilização. A Casa de Lua desde já se dispõe a ajudar nesta reflexão e na implantação de algumas ações. Se você é de algum coletivo de mulheres, entre em contato com o Mamu, que é um Mapa de Coletivo de Mulheres e inclua seu coletivo. Esta será uma de nossas principais ferramentas de localização e contato.

Se a gente não se organizar, atuando muito menos como polícia de nossos vizinhos, e mais como companheiros que se apoiam na rotina brutalmente alterada que nos aguarda, prevejo situações de muito terror e violência.

Além disso, precisamos nos encontrar, conversar, desmistificar informações equivocadas, dividir o que sabemos de maneira confiável, não espalhar histórias sem origem e teorias conspiratórias, precisamos sair da letargia e estado de negação que muitos de nós ainda nos encontramos, para transformar nossa indignação em ações. Finalmente, é fato que o governo estadual se mostrou incompetente na gestão dessa crise. É fundamental que pressionemos por respostas: em que situação estamos? Quando será decretado o estado de emergência? Que medidas serão adotadas a partir disso?

Queria terminar esse texto lançando mais uma isca de reflexão. Se algo de bom podemos tirar dessa calamidade – além da maneira como nos relacionamos com o uso da água  (e, veja bem, não estou negligenciando a pauta ambiental, que precisa ser recuperada urgentemente, ou creditando apenas sobre o cidadão o caos que estamos vivendo) – que seja a mudança nas novas formas de convívio social e em comunidade, de cuidados compartilhados, de divisão de tarefas. E do papel de todos nós (não apenas das mulheres) numa nova configuração de relações sociais e domésticas.

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Autora

Vanessa Rodrigues é jornalista, co-fundadora da Casa de Lua e gostosa. Atualmente escreve no Brasil Post e no Biscate Social Club. Também pode ser encontrada no Facebook e Twitter.