O que faz dos corpos cis naturais?

Texto de Bia Pagliarini.

Muito me espanta pessoas cis (em especial, feministas) acusarem as pessoas trans de serem “criações artificiais” ao passo que os corpos cis passam como transparentes. Se esquecem que todos os corpos, incluindo os cis, são tão produtos de artifícios tecnológicos quanto os corpos trans.

A pergunta que fica é: o que faz dos corpos cis, corpos tidos como transparentes, naturais? O que faz com que o corpo cis aparente uma continuidade assombrosa entre o seu produto real e o seu imaginário de corpo natural (como se o corpo cis que conhecêssemos agora fosse uma espécie de extensão espontânea da própria natureza)?

Todos os corpos são produtos de uma cadeia complexa de relações sociais que não podemos prever linearmente, tampouco calcular. A descoberta das vacinas, a industrialização, a informatização, medicamentos, etc. Todo o complexo social produz igualmente o seu corpo e o meu. Você realmente acha que seu corpo, por não sofrer determinadas sanções jurídicas e biomédicas sobre a transexualidade, está acima de todo esse complexo social? Resposta… não, não está.

O que acontece aqui é uma objetificação específica de corpos e identidades trans. Ao nos colocar na posição de objetos construídos — ao passo que a cisgeneridade é posta de lado, como impensado dessa construção social — nós somos destituídas de qualquer possibilidade de agenciamento subjetivo, de tomada de consciência de si. Somos meros produtos, não sujeitos que também interferem nesta construção.

Colocar pessoas trans como “meros produtos da sociedade patriarcal” é a extensão do próprio discurso patriarcal que tira qualquer possibilidade de constituição subjetiva e de resistência. É transfobia também.

A imagem em destaque no post é da atriz Laverne Cox no clipe de John Legend – You & I (Nobody in the World).

Autora

Bia Pagliarini é estudante de letras, interessada na relação entre discurso e gênero. Transfeminista, revoltada contra o cistema. Esse texto foi publicado em seu perfil pessoal do Facebook em 28/04/2015.