Texto de Pamela de Gracia Paiva para as Blogueiras Feministas.
Atualmente, o Brasil ocupa o 4º lugar entre os países com maior população carcerária com 607.371 pessoas nesses espaços prisionais (Infopen, 2014, p. 12), perdendo apenas para Estados Unidos, China e Rússia, que ocupam respectivamente o pódio dos países com a maior população carcerária. A população de mulheres nesses espaços é de aproximadamente 37.380 mulheres (CNJ, 2015). Esse número num primeiro momento pode parecer inexpressivo e, talvez por isso, estas mulheres se tornem invisíveis para a sociedade que nada quer saber de pessoas que cometeram algum delito e, se esta pessoa for uma mulher, a punição acaba sendo maior ainda, pois como mulher ela foi contra os papéis de gênero que nos são impostos desde cedo, a docilidade e passividade.
Qual o perfil dessas presas? Segundo o Infopen, a população penitenciária feminina no Brasil apresentou crescimento de 567,4% entre 2000 e 2014, enquanto a dos homens, no mesmo período, foi 220,20%. Cerca de 50% têm de 18 a 29 anos. A maioria, duas em cada três presas, é negra. Outro ponto analisado pelo levantamento é o motivo da prisão. “O encarceramento feminino obedece a padrões de criminalidade muito distintos, se comparados aos do público masculino. Enquanto 25% dos crimes pelos quais os homens respondem estão relacionados ao tráfico, para as mulheres essa proporção chega a 68%. Por outro lado, o número de crimes de roubo registrados para homens é três vezes maior do que para mulheres”, diz o texto.
O que se vê, ou melhor dizendo não se vê é a discussão sobre essas mulheres que dependem de outras para que suas vozes sejam ouvidas e levadas a luz, mulheres estas que muitas vezes são vítimas de uma sociedade que não lhes dá condições básicas de existência, não lhes dá saúde e educação, não lhes proporciona uma perspectiva para o futuro, diante disso o que elas têm a perder já que muitas das vezes nada possuem para tal?
Recentemente, foram lançados dois livros sobre o assunto. “Presos que Menstruam” da autora e jornalista Nana Queiroz e “Cadeia: relatos sobre mulheres”, da antropóloga e pesquisadora Debora Diniz. Desde então, os debates sobre o aprisionamento de mulheres parece que se acenderam e esse tema têm sido discutido em alguns grupos. Além disso, também existem projetos em diversos Estados a fim de recolher doações de material de higiene para as mulheres presas, proporcionando dessa forma uma condição mais digna.
Entretanto, isso não é o suficiente levando em conta o terrorismo que os jornais sensacionalistas fazem na cabeça da população, pois “emitem (jornalistas e apresentadores) suas conclusões, dão suas respostas a todos os problemas dessa ordem, vale dizer, possuem uma resposta rápida e imediata ao problema da criminalidade. Normalmente, essas respostas apontam sempre para o aumento das penas já existentes, para a criação de novos tipos penais, para a possibilidade de imprescritibilidade etc. Apregoam que o sistema é demasiado brando com aqueles que praticam uma infração penal e, por isso, pugnam por uma punição mais severa dos criminosos”. (GRECO, 2015, 72-73)
Na verdade, o que se vê é uma enorme falta de interesse em se tocar neste assunto, pouco se fala sobre a máquina encarceradora, segundo Modesti (2013, p. 169): “grande parte desse volume de encarceramento não se deve ao aumento vertiginoso da criminalidade, mas, fundamentalmente, foi uma opção: punir mais”. Pouco importa as condições em que estas pessoas vivem, de acordo com o senso comum e com o bordão repetido diariamente pela mídia sensacionalista “bandido bom, é bandido morto”, ou que estão comendo às custas do dinheiro público e ainda se sentem no direito de reclamar, e também que se fizeram algo devem pagar, independentemente da situação carcerária do país. O discurso perpetuado pela mídia visa deslegitimar os direitos dos presos, que sim cometeram atos infracionais, porém continuam sendo seres humanos, com seus direitos e obrigações.

É necessário que se olhe para estas mulheres que (sobre)vivem em estabelecimentos que não foram pensados para elas e que não respeitam as particularidades femininas, pois, o papel transgressor não foi estipulado para as mulheres, a elas cabe à obediência, pois normalmente são criadas, diria até adestradas a bons comportamentos, lar, marido e filhos, e quando essa regra é quebrada acaba mexendo em toda a estrutura patriarcal que permeia a sociedade.
Elas passam por diversas situações dentro do cárcere desde a sua desumanização e perda de identidade a padronização dos seus atos e aparências, levando em consideração as proibições de diversas instituições penitenciárias. Além disso, a perda do vínculo familiar é irreparável, pois elas muitas vezes são afastadas de seus familiares indo parar em instituições que ficam longe do seu local de origem. A vergonha que sentem os membros da família em ter uma mulher presa é tamanha que muitos acabam abandonando-as, elas então passam anos sem receber visita. Perdem também o vínculo com os filhos que ou são espalhados entre parentes, raramente eles ficam com os pais, ou acabam indo parar em instituições/abrigos.
Além de todas as violações citadas acima, a sexualidade delas também é negada, uma vez que a pouca visitação dos parceiros não ajuda a suprir essa carência, pois como já citado os familiares tendem a se afastar, prova disso é o dado de que 65% (dado sobre as mulheres em situação carcerária no PR) não recebem visita e 86% não recebem visitas intimas, ou seja, mais uma vez o controle dos corpos femininos e de sua sexualidade está presente. Quando elas recebem a visita íntima são impostas algumas exigências como a comprovação de união estável/casamento e o uso de preservativos/contraceptivos, visando dessa forma controlar a vida sexual das apenadas e também negando-lhes o direito de escolher engravidar.
No que tange as produções acadêmicas necessárias para visibilizar essas mulheres, uma das questões mais levantadas e já citadas no decorrer do artigo é a discussão do mito feminino, das mulheres dóceis e subservientes. Quando dizemos controle de corpos e doutrinação de mulheres pode-se visualizar essa afirmação na citação abaixo extraída da tese de Cláudia Priori:
Entretanto, a partir do século XVIII, a pena de morte foi menos aplicada às mulheres que cometeram infrações penais. Crimes como homicídio, infanticídio e roubos domésticos que eram passíveis de pena de morte, passaram a ser punidos com penas de degredo acompanhado de açoites, ou de internamento e reclusão em casa de correção, nas seções prisionais dos hospitais ou nas Casas do Bom Pastor, ou seja, casa para “pecadoras convertidas” dirigidas pelas irmãs de caridade. Vemos com isso, que os primeiros espaços prisionais para mulheres eram as casas de correção, hospitais e conventos, geralmente dirigidos por irmãs de caridade do Bom Pastor que recebiam as mulheres que haviam praticado crimes, ou melhor, recebiam as “pecadoras” com o intuito de convertê-las e corrigi-las. (PRIORI, 2012, p. 35-36)
Ou seja, o que tinha por objetivo primário a correção dessas mulheres permanece com o mito da ressocialização em que as mulheres estariam aptas a voltar a exercer o seu papel de segregadas na sociedade patriarcal que permanece há muitos séculos.
Esse seria um motivo para a pouca produção acadêmica relacionada ao aprisionamento de mulheres, pois dessa forma elas estariam ainda mais condenadas do que os homens, tornando-se invisíveis para a sociedade.
Fato é que o problema carcerário não começou neste século, mas se tornou infinitamente pior desde o século XX e tem ganhado cores ainda mais sombrias com o passar dos anos e o crescimento dessa população tem sido cada vez maior. Enquanto os países que ocupam os primeiros lugares como os que possuem a maior população carcerária tem prendido menos o Brasil tem prendido mais e prendido mal, pois a criminalidade não diminuiu no país.
Fazendo um paralelo com a obra de Baumam – Vidas desperdiçadas – as cadeias vêm para ser uma fábrica e depósito de refugo humano, o que não é aceitável na sociedade deve, portanto, ir para lá e se possível não sair mais, para manter a sociedade “civilizada” a salvo dessa barbárie.
Portanto a falta de visibilidade, mesmo que intencionalmente é uma forma de legitimar a segregação destas pessoas, se não são vistas, não são lembradas e se não são lembradas ninguém se importa com ela, um ciclo vicioso que não traz benefício algum para a sociedade, que deve sim olhar por aqueles que não têm voz, cuja única voz é a violência, muitas vezes sinal da violência sofrida anteriormente por omissão do Estado, que se julga de direto, mas esse direito é para quem mesmo?
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. Niterói: Impetus, 2015.
INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Junho de 2014.
MODESTI, Marli Canello. Mulheres aprisionadas: as drogas e as dores da privação de liberdade. Chapecó: Argos, 2013.
PRIORI, Claudia. Mulheres Fora da Lei e da Norma: controle e cotidiano na penitenciária feminina do Paraná (1970-1995). Curitiba, UFPR, 2012.
Autora
Pamela de Gracia Paiva é estudante de História, feminista, socialista e abolicionista. Faço parte do coletivo Marias da Boca Maldita. Geminiana com ascendente em Capricórnio e lua em Libra.