Texto de Thayz Athayde para as Blogueiras Feministas.
Eu ouvi um grito de desespero no quarto ao lado, não sabia bem o que estava acontecendo. Pensei que alguma coisa tinha acontecido com a mãe ou irmã de uma das minhas melhores amigas. 14 de março de 2018, o dia que assassinaram Marielle Franco e Anderson Silva. A minha amiga era assessora da Marielle e seu grito de dor parece ter ecoado de várias formas desde que sai nas ruas para protestar pela execução da Marielle, para entender o que estava acontecendo politicamente, para também ecoar gritos e choros e para questionar: quem matou Marielle? Por que dessa forma? Por que esses tiros? Por que? Por que?
Eu não tinha a mesma proximidade que minha amiga tinha com Marielle, sendo assim, o meu luto partia de um outro lugar. Assim como muitas feministas, mulheres negras, pessoas da periferia e mulheres que amam outras mulheres. Certa vez um homem questionou como o movimento feminista iria fazer com a morte da Marielle, quase pedindo um imediatismo como resposta. Eu disse que não saberia, mas que uma coisa que tenho aprendido no feminismo e com as mulheres é que tudo bem se precisarmos de um tempo, tudo bem chorar, tudo bem dar uma pausa. Tudo bem.
Em meio a tantos abraços, choros sufocados no carinho dos ombros das amigas, de gritos em protestos, houve também um movimento que é pensar no que a Marielle representa, o que tentaram matar, o que queriam silenciar. O feminismo nos convida a fazer uma profunda reflexão sobre aquilo que estamos vivendo, mesmo que seja dolorido.
Nesse sentido, foi importante refletir sobre como Marielle Franco construiu caminhos e espaços para que fosse possível eleger mais mulheres na política institucional. Mulheres em toda sua diversidade e que faziam da sua pauta feminista o discurso da sua campanha. Afinal, representatividade importa, mas a ética feminista é seguramente mais importante na política. O capitalismo também cria estratégias para vender a ideia de um feminismo que não é coletivo, mas neoliberal, que pensa de forma individual problemas que são essencialmente estruturais. Então, hoje é possível observar mulheres que são candidatas e tem em seu discurso propostas neoliberais e de direita, falando coisas como: “vote em mim, sou mulher, vamos cuidar da política”. Apelando muitas vezes para uma ideia que coloca a mulher como coadjuvante, conselheira, mãe, cuidadora da política, mas não como protagonista da sua história.
Uma das grandes lições que o governo Dilma nos deixou, além de nos mostrar o quanto ainda precisamos avançar no debate sobre machismo, é que não é possível construir um projeto feminista e de esquerda sem um legislativo que compartilhe das mesmas ideias. Junto com a conquista da eleição da primeira mulher como presidente do Brasil, elegemos também um legislativo extremamente conservador. O congresso nacional se tornou um lugar privilegiado em que projetos de extrema direita e antifeministas são articulados e muitas vezes aprovados. É importante destacar que, de certa forma, nós reagimos a esse movimento conservador e, em 2016, elegemos três mulheres negras feministas como vereadoras: Marielle Franco (Rio de Janeiro/RJ), Talíria Petrone (Niterói/RJ) e Áurea Carolina (Belo Horizonte/MG). Foi um momento extremamente emocionante, ainda mais se pensarmos que Marielle foi a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro.
Com isso, o avanço de candidatos como Bolsonaro se tornaram possíveis. Com isso, os movimentos sociais estão se articulando para que não tenhamos um presidente com ideais de extrema direita, em que o discurso e prática de ódio são permitidos, mas não só, são reiterados e colocados como bandeira da sua força política. Depois de avançarmos tanto e, ao mesmo tempo tão pouco, o sentimento de medo é generalizado. O receio parte não só do candidato especificamente, mas também dos seus eleitores que concordam (e muitas vezes, também praticam) com seu discurso de ódio. Contudo, mesmo no meio de tanto medo e esforço para não eleger um presidente com ideias eugenistas, precisamos lembra do legislativo.
Desde 1989, a cada eleição vemos um Congresso Nacional mais conservador. Na eleição de 2014 a situação só piorou. Não podemos tornar 2018 um completo desastre e reforçar mais uma vez esse tipo de situação. Precisamos eleger um projeto feminista, negro, periférico, trans, viado, sapatão, de corpos tão múltiplos que não caberia nomear todos aqui. Eleger pessoas que proponham um projeto que pense de forma coletiva na educação, proteção, saúde e segurança de corpos que morrem e são violentados apenas por escaparem de uma categoria normativa vigente.
O legislativo propõe leis, fiscaliza o governo federal, além de monitorar e interferir no orçamento. Essas três coisas, que parecem simples, causam um grande impacto no cotidiano das nossas vidas. O golpe é um belo exemplo desse impacto, além de projetos da retiradas de políticas públicas e investimentos em áreas básicas como saúde e educação.
Pensando na pergunta sobre o que fazer depois da morte de Marielle confesso que ainda não tenho uma resposta objetiva, ainda estou cheia de dúvidas de como traçar esse caminho, mas decidi lutar. Decidi pensar naquilo que Marielle tanto falava e que se tornou, para mim, algo que me move: “eu sou porque nós somos”. E eu quero que mais mulheres feministas, negras, periféricas e LGBTs ocupem esse espaço central no legislativo. Eu quero candidaturas feministas que estejam lá porque são, porque todas nós somos.
Nosso esforço para eleger pautas feministas é algo que tenho pensado constantemente como um legado, quase uma missão que Marielle nos deixou. No dia 30 de novembro ela realizou um evento chamado Mulheres na Política. A ideia seria levar adiante esse projeto e pensar na eleição do legislativo e colocar mulheres na política. Nos arrancaram Marielle de forma cruel e violenta, fazendo com que ela não pudesse mais continuar o projeto.
A sua proposta de pensar uma nova forma de fazer política virou algo que carrego no peito junto com meu broche que grita: Marielle Presente. Faço aqui, uma proposta para que possamos incendiar as redes sociais e gritar o nome de mulheres com candidaturas feministas, pautas feministas e que dialoguem com o nosso projeto. Em quem você vai votar na sua cidade? Quem você apoia? Quem será sua candidata para deputada estadual e sua candidata para deputada federal?
Nós, das Blogueiras Feministas, apoiamos algumas: Mônica Francisco e Talíria Petrone no Rio de Janeiro; Samia Bomfim e Hailey Kaas em São Paulo, Aurea Carolina e o Movimento Muitas em Minas Gerais. Essas são apenas algumas, sabemos que há muitas candidaturas feministas esse ano. Vamos engrossar o coro para não eleger um presidente fascista. Vamos juntas, mas não podemos esquecer de falar e eleger as nossas candidatas feministas. Porque elas sim são e por isso mesmo, nós somos.
Autora
Thayz Athayde é psicóloga e pesquisadora na área de gênero.
Imagem: Marielle Franco abraça Talíria Petrone no evento Mulheres na Política. Foto da página oficial de Marielle Franco no Facebook.