Triste, Louca Ou Má: os três compartimentos da bagagem emocional de um macho-qualquer

Texto de Amanda Vaz Teixeira para as Blogueiras Feministas.

A música Triste, Louca ou Má da banda Francisco, El Hombre é Obra-Prima. Não apenas no sentido de ser a mais bela que uma obra pode ser, mas também por ser matéria-prima. É matriz geradora de análises musicais e poéticas, de um hino feminista, de uma revolução. É arte de mão-dupla: significa aos olhos e pelos olhos.

Esse texto traz um significado “pelos olhos” de quem a aprecia; um olhão ensaístico sobre os três tipos comportamentais trazidos pelo título da canção: mulheres tristes, loucas ou más. No caso da música, a cantora e compositora Juliana Strassacapa embrenhou-se no conceito sad, mad or bad que é utilizado para se referir, de forma depreciativa, às mulheres que optam por viver a vida de solteira – como se a solteirice fosse necessariamente consequência da rejeição. Este ensaio pretende abrir o leque: não é apenas o desejo de solidão/solteirice que entra nessa trinca confinante. Tenho notado que os homens são socialmente preparados para classificar as demandas femininas, sejam elas quais forem, em uma destas três espécies.

Créditos da imagem: Lírio Ninotchka. Página: Dê-Lírios ao Partir.

Esquematicamente, funciona mais ou menos assim: surge uma necessidade por parte da mulher, diante da qual o homem se sente contrariado e reage de uma forma pré-determinada, após encaixar aquela demanda em um dos três quadrantes. Para dar mais visibilidade para este olhar, exemplos:

Triste: necessidade de solidão/afastamento, desânimo, relatos de brigas com familiares/no trabalho, frustrações, ou reações emocionais intensas (choro). Solução: macho alfa deve entrar em ação e estar pronto para defender sua donzela fragilizada. Deve ser protagonista e resolutivo. Lançar mão de conselhos incisivos e orientar o caminho a ser seguido.

Louca: Reclamações, TPM, menopausa, manifestações de cólera ou ciúmes. Solução: acima de tudo negação do problema original e foco na “histeria feminina”. Atitude ora repulsiva, ora indiferente.

Má: demandas “difíceis para um macho ouvir”, como por exemplo, vontade feminina de não se prender a um homem só, críticas severas, falta de desejo, rejeição, frieza. Possível solução: Desprezar/difamar a mulher.

Essas situações são apenas exemplificativas e não têm o objetivo de generalizar situações peculiares. Mas, dentro desta proposta, aqui vem outro ponto relevante da reflexão: muitas vezes as próprias mulheres transformam uma demanda única, e totalmente distinta desse raciocínio trinário, em algo que o homem possa encaixar em um dos três quadrantes.

Algo do tipo: a mulher desabafa alguma situação que lhe aflige, esperando um parceiro ouvinte. Mas o parceiro entende isso como “fraqueza” e lança mão de conselhos incisivos, tentando resolver a situação que ela não conseguiu, devido à suposta fragilidade emocional. A mulher permite este parceiro “incisivo”, ainda que a demanda inicial fosse por um parceiro ouvinte. Outro exemplo: de tanto não ser ouvida, ela grita e “se mete a louca”, mas se arrepende depois de agir assim. Ou, por não ser entendida, ela apela para alguma “maldade” e fala algo severo, que muitas vezes nem corresponde exatamente àquilo que pensa.

Por que as mulheres fazem isso, ainda que sem notar? Possivelmente: porque “quem pode o mais, pode o menos”. Quem tem mais linguagem, neste caso emocional, tem dois modos para falar com quem tem menos: ou baixar a complexidade do “vocabulário”, ou ensinar “palavras novas”. Agir do primeiro modo, parece-me algo natural, de modo que as mulheres sequer se dão conta que fazem isso. Para “ensinar palavras” é indispensável que a mulher esteja empoderada e o parceiro disposto.

Eis uma possível forma de resistência: se a medula emocional da demanda feminina não se comunica com o limitante esqueleto trinário, as mulheres não devem transformá-la em algo que se encaixe nos três quadrantes, só para o homem entender a sua dor. Não basta entender que doeu pela lógica do “quem chora e grita deve estar sentindo alguma dor”, tem que entender o que a mulher diz. Não cair na armadilha de comprimir e metamorfosear necessidades, para fazê-las inteligíveis para quem tem pouca percepção emocional, é um ato de resistência e autoafirmação.

Reconhecer que você é “seu próprio lar” é não se sujeitar ao encolhimento em busca de acolhimento. Não vale a pena fazer “viagens” com parceiros que reduzam seu universo de sentimentos à pequena bagagem emocional, de três compartimentos, que o macho-qualquer carrega de berço.

Aos rapazes que entram nesse jogo: a construção social da masculinidade não fomenta que homens defrontem-se com sentimentos. É preciso uma postura ativa para aprender. Um bom começo é tentar entender as demandas como originais e, logicamente, se desfazer do pequeno acervo comportamental pré-definido para manejá-las. Dimensiono que entre o macho-qualquer e o homem-extraordinário, há alguns degraus e uma difícil etapa de macho-alguma-coisa para se enfrentar, mas a subida é fortunosa!

Defendo que as atitudes masculinas e femininas tratadas neste texto são questões que precisam ser pensadas dentro da lógica do machismo por serem comportamentos de gênero socialmente aprendidos. Não me soa sensato afirmar que todo e qualquer comportamento opressor de um homem contra uma mulher advenha do machismo social, tampouco que seja a quantidade da opressão que a defina como machista ou não. Parece-me perfeitamente possível que um comportamento com alto grau de opressão de um homem contra uma mulher seja resultado da mentalidade de determinado homem, por exemplo, e não da sociedade machista. Mas não é o caso aqui.

Quero enfatizar que as proposições aqui esquematizadas não excluem o fato de existirem mulheres abusivas, tampouco ignora a existência de comportamentos femininos que se encaixam nos ditos três quadrantes ou, sequer, supõe que mulheres em hipótese alguma se valham de uma lógica igualmente limitante para assimilar emoções masculinas. Mesmo enfatizando isso, acredito que o fundamento dos “três quadrantes” se mantém e a crítica continua necessária.

O fundamento se mantém, pois, ainda que esse comportamento exista em outros tipos de interações, é a forma socialmente esperada de um homem agir, não de uma mulher. Pode soar como uma generalização pedante supor que mulheres têm mais vocabulário emocional. Mas será mesmo tão ousado assim afirmar que se espera riqueza emocional de mulheres, ainda que algumas não a tenham? Veja o que disse um homem conhecido pelo sentimentalismo à flor da pele, Vinícius de Moraes: “a mulher é feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e para ser só perdão”.

A crítica é necessária porque é censurável que homens não aprofundem emoções e mulheres as reprimam quando for conveniente. O ato de reduzir o vocabulário emocional para falar com quem tem mais poder na sociedade é uma forma de repressão.

Todas essas questões me fazem pensar no que Zygmunt Bauman diz no livro ‘’Amor Líquido’’: ‘’não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo’’.

Ele diz isso com base numa fala da profetisa Diotima de Mantinéia, no banquete de Platão, em que ela diz a Sócrates que amar não se dirige ao belo, e sim à geração do belo. (BAUMAN, Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, 2004, p.18).

Cito isso para dizer que ao se valerem de um processo mental escasso para experienciar emoções intensas, os homens perdem a chance de mergulhar no amor, no sentido de: permitir a criação de um comportamento totalmente novo, tal e qual exige uma demanda única, de modo a participar da gênese das emoções alheias. Em última análise, isso é se permitir entrar no território socialmente proibido para homens: o amor conjugal enquanto ato de acolhimento e entrega.

Autora

Amanda Vaz Teixeira tem 27 anos. É poetisa, contista, bacharel em Direito e curitibana de coração.