Texto de Isabela Casalotti.
Quando eu tinha uns 11/12 anos, naquele momento crítico que é a transformação do corpo, os meninos da escola tinham uma brincadeira pavorosa que era puxar o sutiã das meninas por cima da camiseta e soltar, como um estilingue. Eu odiava muito aquilo, não só porque doía. Eu me sentia invadida demais. Um dia, uma menina se fechou no banheiro e chorou. Suas amigas foram ampará-la e todas outras meninas ficaram em absoluto silêncio, porque era impossível não se compadecer. A professora interviu. Disse que o menino estava sendo extremamente desrespeitoso e violento e que, se não tinha graça pra ela, não era uma brincadeira. Alguns meninos riram e falaram algo sobre a garota ser gostosa. A professora respirou fundo e disse que ele nunca havia experimentado uma mulher, então não sabia o que era uma mulher gostosa, mas que ela daria a primeira dica: mulher gostosa é mulher feliz, se você continuar desrespeitando as mulheres assim, nenhuma será feliz. Nem gostosa. Mas que sorte têm os garotos que ouvem isso logo cedo, porque eles têm mais tempo para pensar e aprender a respeitar, e assim terem namoros deliciosos quando chegar a hora. Essa nunca mais foi uma brincadeira, as meninas passaram a reagir com firmeza e os meninos pararam. ISSO É SOBRE SEXUALIDADE NA ESCOLA.
Já aos 13/14 eu tinha um conflito IMENSO com meu corpo. Era gordinha e usava as roupas mais largas e mais pretas possíveis para me esconder. Aula de Educação Física era tortura. Me sentia totalmente deslocada e inadequada. Um dia, a professora estava falando sobre saúde, alimentação e chamou cada aluno, individualmente, para medir, pesar e calcular IMC e dar orientações mais individualizadas para cada demanda. A minha vontade era sempre de sumir nesses momentos. Mas a surpresa foi um IMC não tão alto assim. Eu tinha sobrepeso, não obesidade como achava. A minha autoimagem era bem distorcida e a professora sacou isso. Me levou até o espelho da sala de ginástica e perguntou o que eu via. Uma adolescente gorda, foi a minha resposta. Ela puxou meus ombros pra trás, corrigindo minha postura, e disse: eu vejo uma menina de cabelos ondulados, olhos verdes, que usa aparelhos nos dentes, gosta de rock, tem amigas inseparáveis e, apesar de um corpo ainda em transformação, um ótimo porte físico para jogar handebol ou futsal. Bicho, aquilo me surpreendeu demais. Era a primeira vez que alguém dizia que meu corpo seria bom para alguma coisa. Poucas semanas depois troquei minha aula extra de desenho para a de futsal e eu jogava cinco dias por semana por puro prazer. Talvez não fosse a melhor jogadora, mas a motivação era altíssima. Para ir às festinhas passei a usar minissaia, camiseta justa e o espelho já nem era mais tão assustador. ISSO É SOBRE SEXUALIDADE NA ESCOLA.
Quando eu estava grávida, Maria aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas e, num domingo, pediu para levarmos à Avenida Paulista. Eu disse que talvez não fosse o melhor dia para pedalar lá porque estava acontecendo a Parada LGBT e estava muito cheia. Ela perguntou o que era essa parada eu falei sobre um evento onde as pessoas se encontram para dizer a todos que gostam de ser quem são e que errado é a homofobia. O que é homofobia foi uma das perguntas mais difíceis que eu já ouvi de uma criança. Que difícil é explicar o ódio, a violência. Ela, que está habituada a conviver com pessoas não-hétero desde muito pequena, ficou absolutamente chocada, revoltada e triste. Como alguém poderia achar errado a relação dos pais de uma de suas melhores amigas? Daí que esses dias ela me contou que procurou a professora mediadora da escola para falar sobre uma menina que é preconceituosa e pratica bullying com os colegas. Toda vez que a garota é contrariada, apela para chamar de “viado”, “neguinho”, “favelado”. E está conversando sobre isso com o grêmio para pensar em como mudar a situação. “E daí que o garoto é gay ou favelado, Bela? O que ela tem com isso?”. ISSO É SOBRE SEXUALIDADE NA ESCOLA.

Falar sobre sexualidade NÃO é ensinar sexo. Sexo não precisa ser ensinado porque ele não é aprendido em aula expositiva. É aprendido nas relações. Seu filho vai fazer sexo, você falando sobre isso com ele, ou não. Ele tendo referências preconceituosas ou não. Seu filho e sua filha vão transar e isso está absolutamente fora do seu controle. O desejo deles também. Não tem a ver com o que você acha certo ou errado. Desejo não tem nada a ver com escola. O que tem a ver com a escola, o que pode ser ensinado, é o respeito, a autoestima, o consentimento, o cuidado, a prevenção. Sexualidade na escola acontece 100% do tempo. Inclusive nas mais tradicionais e conservadoras. Inclusive naquelas que não se fala sobre isso. A sexualidade é humana e está onde os humanos estão. Sexualidade está também no seu trabalho, na sua família, na sua igreja. Falar sobre sexualidade na escola é parar de fingir que ela não existe. É possibilitar que os adultos sejam mediadores dos conflitos. É dar referências além das que a criança e o adolescente conhecem dentro de casa. É possibilitar que sejam mais saudáveis e tenham mais inteligência emocional que você.
Autora
Isabela Casalotti é psicóloga, estudante de Pedagogia, mãe, madrasta e macumbeira. Esse texto foi publicado originalmente em seu perfil pessoal do Facebook no dia 17/09/2018.