Texto de Priscilla Brito para as Blogueiras Feministas.
Os 10 anos das Blogueiras Feministas representam um marco na história recente do feminismo no Brasil. Um espaço de debate baseado na pluralidade de perspectivas de pensamento, experiências e posições políticas. Quando lembro do Primeiro Encontro das Blogueiras Feministas que fui em São Paulo, me lembro de um círculo imenso de mulheres muito diferentes entre si. Muitas que eu conhecia só pelo nome, ou pelo @, e mesmo assim me proporcionaram uma formação feminista aprofundada sobre temas que até hoje ecoam na minha atuação política e profissional. Elas foram para mim o grupo de acolhimento das reflexões sobre ser mulher e feminista.
O grupo e o blog Blogueiras Feministas nasceram da indignação de algumas mulheres que atuavam na internet sobre os limites que os debates sobre aborto tinham encontrado justo no pleito em que uma mulher seria eleita presidente do país. Embora Dilma Rousseff fosse uma candidata de esquerda, com um passado de luta contra a ditadura, ela aceitou o compromisso com os grupos religiosos. Declarou publicamente ser contra o aborto, contrariando as declarações anteriores que deu quando era ministra.
Da necessidade de pautar esse debate surgiu um grupo de debates. E é bom lembrar que nesse momento, a internet era o parquinho de diversões de quem acreditava em uma ampliação da liberdade de expressão e da proliferação de mídias mais democráticas. Isso aconteceu antes da popularização dos grandes latifúndios de ideias representados por plataformas como o Facebook. Os blogs mais famosos, como Escreva Lola Escreva, formavam um ecossistema midiático alternativo à grande mídia, a dos jornais e da televisão. Com o tempo, o Blogueiras Feministas se expandiu e passou a incluir colaboradoras das mais diversas origens. E essa abertura possibilitou conexões até então impossíveis.
Logo depois, em 2011, aconteceu a primeira Marcha das Vadias. O movimento que nasceu no Canadá encontrou um terreno fértil para a proliferação no Brasil. No país que tem o movimento feminista que mais teve conquistas num período histórico relativamente curto, ainda havia muito o que lutar. Da Constituinte à aprovação da Lei Maria da Penha foram menos de 20 anos. Mas as mulheres ainda eram (e são) sistematicamente assassinadas, estupradas e assediadas.
Se a aprovação da Lei Maria da Penha havia sido um marco no reconhecimento da violência doméstica como um problema social, ainda havia muito o que avançar no debate sobre as diversas formas de violência a que uma mulher está sujeita. E incluindo a maior delas, que é a interdição da decisão sobre levar ou não uma gravidez adiante. De ser assediada e violentada por ser mulher. Muitas de nós ocupamos as redes com o Blogueiras Feministas e as ruas com a Marcha das Vadias.
O Blogueiras Feministas, assim como a Marcha das Vadias, atravessa a minha trajetória e faz parte da minha identidade, mas é também o espaço de debate mais aberto que a minha geração formulou. Se hoje construo o projeto da Universidade Livre Feminista é porque em algum momento, o grupo de blogueiras feministas me mostrou que a potência do feminismo é justamente a capacidade de sistematizar pensamentos a partir de um debate plural. Com o grupo aprendi que o feminismo precisa produzir espaços de acolhimento e elaboração que subvertam a lógica das redes moldadas para transformar tudo em produto.
O que me impressiona – e me decepciona na mesma proporção – é que a questão da violência sexual esteja mais atual do que nunca. Se em 2010 e 2011 apostamos que era possível enfrentar a cultura do estupro, de que não teríamos retrocessos no direito ao aborto em casos de estupro, o backlash não tardou. Essa questão se tornou central nos discursos que alimentaram do crescimento do fascismo e que se expressam em projetos de lei como o Estatuto do Nascituro. Hoje, o direito ao aborto em casos de estupro é o principal alvo de ataque dos grupos conservadores que estão no poder.
Alguns desafios políticos se modificaram nesses 10 anos. A expressão de manifestações como a da Marcha das Vadias já não é possível da mesma forma, com o governo que temos. A própria rede da internet mudou, migrou para uma dinâmica de perfis extremamente individualizante e com limites para o aprofundamento do debate. Mesmo que os símbolos feministas estejam mais presentes na cultura pop do que nunca e feminismo tenha se tornado um tema incontornável de diversos grupos, vivemos sob um governo fascista.
Eu me pergunto se chegar aos 10 anos da forma como chegamos, sem o mesmo fôlego e disposição para o debate coletivo, não significa que realmente perdemos a batalha pela democratização da comunicação. Se conseguiremos formular saídas para repensar uma internet feminista. De se opor à dinâmica das grandes plataformas. Não sei. O que sei é que seguimos juntas no front de defesa da democracia.
