E as Blogueiras Feministas? Em 2020, dez anos de existência e resistência.

Texto da Equipe de Coordenação das Blogueiras Feministas.

Em outubro de 2010, acontecia o primeiro turno das eleições presidenciais. Dilma Rousseff disputava o cargo de presidente do Brasil. O feminismo borbulhava na internet por meio de blogs que ganhavam cada vez mais audiência e grupos no Orkut que migravam para outras plataformas. Para nós, feministas, aquela disputa presidencial representava um marco importante, por mais que houvesse uma mistura de sentimentos que dançavam entre críticas e aplausos, sabíamos que estávamos diante da possibilidade real de termos a primeira mulher presidente do país.

O machismo, que já existia na política institucional, se tornou mais explícito por conta da presença de Dilma Roussef e Marina Silva bem colocadas entre as três primeiras possibilidades de votos. As “feministas da internet” estavam inquietas, querendo dialogar cada vez mais. Nesse contexto, uma linkava a outra, indicavam blogs, conversavam por meio dos comentários. As Blogueiras Feministas surgiram a partir de uma troca de emails com várias destinatárias. A conversa foi tão proveitosa que virou um grupo de emails, um blog, presença nas redes sociais, encontros ao vivo. Criamos organicamente o que hoje “gurus” da gestão chamam de sinergia.

Conversa vai, conversa vem, não tínhamos uma ideia do que seria isso no futuro ou por quanto tempo existiríamos. Éramos mulheres de diferentes idades e de várias partes do Brasil, algumas moravam no exterior, de repente estávamos discutindo não apenas o machismo nas eleições, mas também como o patriarcado dominava nossos relacionamentos, atingia nossos corpos e o que poderíamos fazer sobre isso? A internet era um espaço virtual que se tornava público e precisávamos ocupá-lo e espalhar ideias e propostas feministas.

As Blogueiras Feministas nasceram nesse espaço de debate virtual. Por mais que fossemos um grupo, eram mais de mil pessoas. Começamos a nos questionar, compartilhar experiências e também tensionar o que tínhamos como certeza. Ao decidirmos construir as Blogueiras Feministas também fizemos uma construção do feminismo individualmente. Por meio dos textos, das discussões, provocações e tensões, expandimos a pergunta: o que é ser mulher?

O movimento feminista no Brasil foi se modificando e os posicionamentos do grupo também. Se tornou cada vez mais urgente praticar o feminismo negro, o transfeminismo, o putafeminismo, entre tantos outros que surgiram para responder a pergunta sobre o sujeito político do feminismo. Vivíamos um momento de rupturas dentro do movimento feminista, o que não é necessariamente algo ruim. As rupturas e tensões também são importantes para que possamos amadurecer politicamente. Tiveram tretas, lágrimas, erros, saídas impulsivas, falta de diálogo e empatia. Também teve risadas, festas, solidariedade, pedidos de desculpa, autocrítica. Existem amizades que perduram até hoje e, esse talvez seja nosso maior legado, mais do que ser um acervo de textos que contam parte do feminismo na internet brasileira, há mulheres que encontraram grandes amigas neste grupo.

Hoje o feminismo continua tendo muito força na internet, de maneira mais pulverizada. Não há mais tantos coletivos ou grupos feministas, a ação acaba sendo mais individual por meio das redes sociais. A imprensa tem dado mais atenção ao assunto e celebridades têm quebrado o estigma sobre a palavra “feminista”. São novos tempos e novas formas de se comunicar. Nosso grupo ainda existe nos arquivos do Google Groups, mas não está mais ativo. O blog cada dia mais é uma referência de acervo, pois não temos mais tanto tempo para nos dedicar, mesmo com queridas leitoras ainda mandando textos para publicarmos. Apesar dos custos é nossa intenção continuar com esse espaço acessível na internet.

E a eleição da Dilma? Aconteceu. Também houve sua reeleição, onde o machismo extrapolou ainda mais seus limites. Chegamos até 2013, com as jornadas de junho, que tinham propostas feministas no início, mas depois virou um movimento verde e amarelo retrógrado. Continuamos levando a bandeira lilás do feminismo para as ruas em momentos importantes para a democracia brasileira.

Em 2015, a primavera feminista foi bonita, foi potente. Nos juntamos a América Latina e gritamos “Ni Una a Menos”. Gritamos por nosso corpo, por nossa existência, contra a violência que ainda sofremos, mesmo com avanços. Porém, em 2016, o conservador patriarcado aliado ao capitalismo econômico explorador, decide que haviam sido feitas concessões demais. Dilma Rousseff foi taxada de mulher louca e sem controle. A democracia aparece como uma ameaça aos interesses da elite brasileira. Vivenciamos o golpe, vimos um torturador da ditadura militar ser exaltado no Congresso Nacional, vimos a “ideologia de gênero” se tornar um bicho-papão e vimos o movimento feminista ser mais uma vez demonizado. Em 2018, mulheres se reúnem novamente, chega o momento do Ele Não. Ele Jamais, Ele Nunca. Mas, uma maioria tomada por uma descrença no sistema político, pelo medo da violência e pela ilusão das fakes news, disse Ele Sim.

Agora estamos aqui, dez anos de caminhada virtual no feminismo. Dez anos de Blogueiras Feministas. Participamos de eventos memoráveis como a Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, a Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, a Marcha das Margaridas, a Marcha das Mulheres Negras, as Marchas das Vadias. Como seguir resistindo? Cada vez mais o Brasil e o Mundo precisam do feminismo. Cada vez mais as mulheres e pessoas marginalizadas precisam do feminismo. Pois, para nós, o feminismo segue sendo a luta social por um mundo mais justo e igualitário para todas as pessoas. Uma blogueira feminista nasce sempre que alguém questiona o machismo cotidiano. Temos certeza que você veio parar aqui por causa disso e é por você que seguiremos.