Em Dezembro de 1989 um homem de 25 anos entrou na Escola Politécnica de Montreal com uma arma na mão e uma ideia na cabeça: tirar a vida de tantas mulheres quanto possível antes de matar-se. Esta é, em tradução livre, a sinopse do filme Polythecnique que assisti neste fim de semana. Lançado em fevereiro de 2009 ano em que o Massacre da Politécnica, como ficou conhecida a tragédia, completou vinte anos, o filme baseia-se no ataque e reconta a história pelos olhos de dois estudantes sobreviventes.

Em novembro de 2009 cheguei nessa cidade. Pouco menos de um mês depois da minha chegada, descobri toda essa historia de dor e ódio, pelas homenagens às 14 mulheres mortas no ataque que foram divulgadas amplamente pela mídia na época. Foi um choque para mim. Depois com o tempo fui encontrando mais e mais informações sobre essa tragédia e todas as suas consequencias e reflexões que surgiram na sociedade que me acolheu. Algumas delas foram bem positivas considerando a violencia do ato que gerou tudo isso.
Por causa do massacre o dia 6 de Dezembro é no Quebec o dia Nacional de Memória e Ação Contra a Violência Contra as Mulheres. E ainda após o ataque surgiu um grupo, o Laço Branco, que hoje está em todo o mundo, e reune homens para lutar contra a opressão, machismo e misoginia. Homens que lembram: assim como existem os homens que agridem também existem os que não agridem, não aceitam, nem se calam frente as agressões contra mulheres.
Não vou fazer uma crítica do filme, nem saberia fazê-lo por ser um relato baseado em fatos reais. Ele mostra todo o drama do ataque e a dor dos que sobreviveram, mas ainda assim tem também uma mensagem positiva de solidariedade e também amor, como cura para tamanha barbaridade. Recomendo-o vivamente, ele é forte e triste não haveria como não sê-lo ao retratar tamanha violência e ódio, é o retrato da sociedade doente em que vivemos que produz atos bárbaros como este e tantos outros que não param de surgir.
A razão para escrever sobre essa história aqui foi que, o ódio proferido por este homem – relatados tanto no filme quanto na página francesa da Wikipédia sobre o massacre – não é pelas mulheres em geral, mas sim pelas feministas em particular. Mais de vinte anos depois vejo que, ainda hoje, feminismo, misoginia e misandria são recorrentemente confundidos. Queria dizer aos que ainda não entenderam e que ainda falam e pensam que feministas são mulheres agressivas, radicais, e que odeiam homens e que querem tomar seu lugar na sociedade: não somos assim, não é isso que buscamos. O feminismo, não é o contrário do machismo, não é sobre tomar o poder, não é sobre ódio, é sim sobre equidade, aceitação e liberdade.

A misandria e a misoginia existem e são, a meu ver, uma consequência da opressão que o machismo e a sociedade patriarcal exercem sobre os indivíduos para que eles se encaixem em seus esteriótipos e padrões do que é feminino e masculino. O machismo está na sociedade como um todo. Homens e mulheres reproduzem idéias e pensamentos machistas diariamente. E nunca será demais lembrar que o feminismo é uma luta pela liberdade e igualdade dos gêneros. Pelo direito de sermos aceitas como iguais e sermos sujeitos ativos e autônomos na sociedade.
Me orgulho da sociedade que me acolheu, que fez brotar de uma tragédia o grupo de homens em ação contra violência contra mulheres que partiu daqui e ganhou o mundo. Uma sociedade onde mulheres seis anos após uma tragédia assim, uniram-se engajaram-se e marcharam contra pobreza e contra violência contra mulheres. De suas reinvidicações e engajamento surgiu a inspiração para a Marcha Mundial das Mulheres, movimento feminista mundial. As mulheres do Quebec são muito fortes e determinadas. Admiro-as imensamente, aqui enfim me assumi feminista.