A Casa dos Macacos

Em um laboratório de uma universidade norteamericana vivem seis bonobos, símios de uma espécie natural do Congo e em extinção. São animais que vivem de acordo com uma estrutura matriarcal, são inteligentíssimos e têm uma notável capacidade de comunicação e de absorção da linguagem humana. É exatamente isso que Isabel e seu grupo de primatologistas estuda: Bonzi, Lola, Makena, Jelani, Sam e Mbongo aprenderam a se comunicar utilizando a Língua Americana de Sinais e conseguem exprimir vontades, interesses, impressões utilizando sinais e também um software especial com o qual podem indicar o que querem. Isabel não vive com eles no laboratório, mas os considera sua família: mais próximos, mais leais, mais amorosos.

No dia de Ano Novo o laboratório recebe a visita de um grupo de repórteres que pretende escrever sobre a impressionante aquisição de linguagem dos bonobos. Um deles, John, é autorizado pelos próprios bichos a interagir com eles por trás de um vidro, e passa por uma experiência que muda sua vida e sua sensibilidade em relação a esses animais.  Ele vai embora da cidade pensando na matéria que vai escrever e relembrando a emoção de se sentir tão próximo dos bonobos e de reconhecer neles características que por tanto tempo foram consideradas próprias apenas dos humanos.

Logo após a visita dos repórteres uma explosão criminosa no laboratório fere Isabel gravemente. Após acordar o hospital ela descobre que os bonobos fugiram, foram recapturados e vendidos. Enquanto se recupera física e psicologicamente do atentado e lida com as consequências dele que recaem sobre sua vida pessoal Isabel fica sabendo que os animais passarão a estrelar um reality show chamado de “A casa dos macacos”, cujo objetivo é basicamente acompanhar a vida dos bonobos em um ambiente fechado e controlado, à prova de fugas. Preocupada com o bem-estar dos animais, ela pretende recuperá-los de algum jeito; John, por sua vez, perdeu seu emprego logo após a explosão no laboratório e precisa conseguir novamente um trabalho decente, além de lidar com a instabilidade financeira e profissional que atinge a ele e a Amanda, sua esposa. Os protagonistas do livro são humanos vivendo situações de encruzilhada.

Capa de A casa dos Macacos, Editora Record

E lá vem spoiler! Cuidado com os próximos parágrafos!

A casa dos macacos, escrito pela mesma autora de Água para elefantes (adaptada para o cinema neste ano pelo diretor Francis Lawrence, de Eu sou a Lenda e Constantine) foi uma leitura rápida (foram 400 páginas vencidas em menos de cinco dias) e absorvente – isso não é demérito algum! Em primeiro lugar gostei bastante da agilidade da trama e da construção dos personagens, embora esperasse ver Isabel e John brigando mais juntos; por outro lado gostei bastante do que a autora fez tanto com a relação Isabel-John como a relação Amanda-John: qualquer coisa diferente disso tiraria o foco daquilo que movia esse trio de personagens e ficaria artifical, forçado.

Outra coisa que me atraiu já na sinopse que li antes de pegar o livro nas mãos: a ideia de retratar a avidez da sociedade contemporânea pelo entretenimento baseado na quebra da ideia de privacidade e da criação de informação supérflua. Gasta-se muito dinheiro e muito tempo com informações a respeito da vida privada de pessoas anônimas ou não e a inclusão de uma grande variedade de reality shows nas grades de programação das emissoras cria e supre a necessidade do público de “dar uma espiadinha”, de verificar em tempo real o que fazem pessoas confinadas, como reagem a situações variadas, como resolvem conflitos, como constroem relações. No começo de tudo enxerguei os indivíduos participantes desses programas como ratinhos de laboratório expostos a situações variadas e monitorados, avaliados. E então eles aprenderam muito rápido que, apesar da força do chavão “seja você mesmo” predominaria a ideia crua de “isso é um jogo” – o que justifica qualquer coisa naquele contexto específico. No fim das contas concluo que os ratinhos de laboratório somos nós, do público – nossa resposta é avaliada e de acordo com ela vão ser planejados os próximos episódios dos programas. Nós gastamos tempo assistindo, comentando, reagindo, discutindo as situações, alguns gastam dinheiro adquirindo revistas e outros produtos (além da energia elétrica que se gasta com a televisão ligada etc etc).

Os macacos do livro de Sara Gruen são diferentes da maior parte dos participantes dos reality shows a que nos habituamos: não estão ali por vontade ou interesse próprio e não compreendem o que estão fazendo ali. Suas ações, da comunicação ao sexo, são mediadas pelas suas necessidades apenas – pessoais ou de convivência com o grupo – e não pela ideia de que determinada coisa pode ou não trazer antipatia ou simpatia do público. Nesse caso me lembrei bastante de O show de Truman – o cara está lá desde que nasceu, pautando as conversas alheias, servindo de mote para venda de produtos, literalmente vivendo um reality show, é uma propriedade da emissora e não sabe. Gostei bastante do questionamento que a autora faz tanto do mundo do entretenimento quanto da exploração dos animais pelos homens. Também é digna de nota a trajetória da escritora Amanda, casada com John, que arruma um emprego como roteirista de seriados e passa a sofrer pressões mais para aprimorar sua aparência do que para melhorar seu desempenho profissional. O livro trata, em suma, da forma como a imagem de indivíduos é explorada e trata também de respeito. São temas bastante caros a tod@s nós e gostei de vê-los em um romance divertido e de leitura bem agradável. Boa pedida para essa época de presentes, não? 😉

Referência: A Casa dos Macacos de Sara Gruen. Tradução: Paulo Cezar Castanheira. Editora Record, 2011.