10 anos da Lei Maria da Penha – quais são os desafios?

Texto de Bia Cardoso para as Blogueiras Feministas.

Publicada em 07 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) completa 10 anos sendo o grande símbolo do combate da violência contra a mulher no Brasil.

De acordo com a lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Além disso, a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Seu nome é uma homenagem a Maria da Penha Maia, farmacêutica bioquímica que foi agredida pelo marido durante seis anos.

O objetivo principal da lei é garantir maior proteção as mulheres que sofrem violência doméstica. A lei alterou o Código Penal brasileiro e possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Não poderá mais haver punição com penas alternativas. Também prevê medidas que envolvem a saída do agressor do domicílio e a proibição para que este se aproxime da mulher agredida e dos filhos. Além disso, não apenas o companheiro, mas qualquer pessoa que esteja no convívio familiar da mulher agredida poderá ser punido, independente de sexo ou parentesco.

A Lei Maria da Penha existe para combater uma violência específica. Enquanto os homens morrem nas ruas, as mulheres morrem em casa, dentro dos lares, mortas por maridos, ex-companheiros, namorados, noivos, pais, irmãos, tios. São pessoas que convivem com elas, que deveriam protegê-las. Essas mulheres, muitas vezes, são violentadas na frente de seus filhos. São agredidas psicologicamente por quem diz amá-las. São relações íntimas marcadas pela violência em que há uma imensa dificuldade de pedir ajuda e também de ser ajudada, porque as pessoas partem do princípio que a violência tem que deixar marcas visíveis, que não devem se meter nas relações internas de uma família.

Os números e estatísticas continuam altos. O Mapa da Violência de 2015 revela que, entre 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídio do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, um aumento de 21% na década. Essas 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários. Em 2015, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 recebeu 76.651 relatos de violência. Entre esses relatos, 50,16% corresponderam à violência física; 30,33% à violência psicológica; 7,25% à violência moral; 2,10% à violência patrimonial; 4,54% à violência sexual; 5,17% a cárcere privado; e 0,46% ao tráfico de pessoas.

Porém, a informação tem se espalhado e cada vez mais mulheres conhecem e recorrem a esse mecanismo para garantir seus direitos. Acredito que atualmente existem três desafios principais para ampliar os efeitos da Lei Maria da Penha:

– Pensar e colocar em prática ações de prevenção a violência doméstica. Isso inclui atividades que envolvam adultos, mas também educação de crianças e adolescentes, num momento crucial em que o gênero tem sido retirado dos currículos escolares.

– Ampliar o acesso e atendimento as mulheres vítimas de violência. Aumentar o número de instituições especializadas, centros de referência, capacitar profissionais da polícia, saúde e serviço social. Promover mais atividades de informação e grupos de apoio.

– Buscar soluções para que a mulher não tenha que mudar sua vida completamente. Na maioria das vezes, é a mulher quem sai de casa, quem fica numa casa-abrigo com os filhos, quem precisa deixar o emprego, quem enfrenta o julgamento da sociedade. O que é possível fazer para que o agressor não se aproxime dessa mulher? Além do encarceramento, que outras opções temos?

Imagem: campanha da ONU Mulheres para os 10 anos da Lei Maria da Penha.
Imagem: campanha da ONU Mulheres para os 10 anos da Lei Maria da Penha.

Até mesmo entre nós, feministas que tanto discutimos o assunto, há dificuldade de pensar em como resolver essas questões, pois nos acostumamos a pensar na prisão como única resposta e muitas vezes ignoramos a complexidade da violência doméstica para muitas mulheres. Dentro de um relacionamento há diversos sentimentos e por mais que a vida pareça um inferno, muitas vezes o fato do agressor ser pai ou não ter apoio da família são motivos para não fazer uma denúncia. Há também o medo de uma retaliação se o agressor for preso, perder o emprego.

Há inúmeros obstáculos culturais machistas que impedem avanços no combate a violência contra a mulher. Em quase todos os crimes sexuais é comum o comportamento da vítima ser avaliado, como se houvesse justificativa para um estupro. Mesmo quando mulheres famosas e ricas fazem denúncias de violência, elas são ridicularizadas e ofendidas publicamente. A mídia insiste em usar termos como “crime passional” e “matou por ciúmes” como forma de justificar feminicídios, apelando para o emocional, tirando muitas vezes a responsabilidade de pessoas que premeditam seus crimes.

Todos esses elementos também contribuem para que muitas mulheres desistam de fazer uma denúncia. Afinal, se Luiza Brunet — tendo imagens e se expondo publicamente — é julgada e condenada em qualquer caixa de comentário de portal, além de seu agressor ter espaço na mídia para difamá-la, que chances terá uma mulher comum, que nem sabe onde conseguir assistência jurídica?

Além disso, a maioria dos serviços de atendimento estão nas capitais. Geralmente não ficam próximos das periferias e são escassos nas cidades do interior. Mulheres que tem mais recursos financeiros e educação acabam tendo mais acesso. Enquanto a violência contra mulheres brancas diminuiu, a violência contra mulheres negras aumentou. Em pesquisa de 2013, Wânia Pasinato destacou os desafios para efetivar a Lei Maria da Penha nas diferentes realidades em que vivem as brasileiras: expansão dos serviços pelo amplo território nacional; formação de equipes multidisciplinares capacitadas para atuar nesses serviços; e conscientização de todos os envolvidos nas áreas de Segurança e Justiça sobre a grave violação de direitos humanos que é a violência de gênero.

No momento, há mais de 60 projetos no Congresso que propõem alterações na Lei Maria da Penha. Entre as propostas, há a criação de novas modalidades de medidas protetivas, aumento da assistência a vítimas de violência doméstica e uma controversa ampliação do leque de ações das autoridades policiais. Entretanto, há também projetos que podem prejudicar a aplicação da lei, como o que propõe substituir as referências a “gênero” pela palavra “sexo”.

Portanto, uma única lei não modifica uma sociedade. É preciso encarar a violência doméstica como um problema de todas as pessoas, algo abominável que precisa acabar. Outras medidas estão sendo tomadas. Em 2015, houve a sanção da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) e, esse ano, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais está orientando promotores a aplicar esta lei para proteger as mulheres trans. São conquistas que estendem a proteção a mais mulheres e buscam maior punição para os agressores. Seguimos na luta!

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